Antigo DOPS-RJ. Por N.Leão |
A
matéria publicada no jornal O GLOBO de domingo, 16/12/2012, desvendou o segredo
que cercava o projeto da Secretaria de Estado de Segurança Pública para o
prédio do antigo DOPS do Rio de Janeiro. Abriu, também, uma “caixa de pandora”
de onde sai mais uma iniciativa - envolvendo poder público, empreiteiras e
administradoras de shoppings - maquinada à revelia de qualquer discussão,
sequer do conhecimento da
população.
Este
novo cenário, finalmente, dá um passo para esclarecer o motivo pelo qual o governo
estadual recusava propostas e não dava nenhuma visibilidade à que tudo indica
estar em curso, e para problematizar a questão sobre a utilização do prédio.
O
que está em questão são dois projetos com interesses opostos. Movimentos de
Direitos Humanos, entidades de ex-presos políticos e, mais recentemente o
ColetivoRJ, há anos vêm lutando e
apresentando propostas para transformar o prédio da Rua da Relação em um Centro de Memória das
lutas sociais, para valorizar sua especial arquitetura, e desenvolver
atividades culturais variadas e relacionadas aos períodos históricos em que
predominou uma política ditatorial de Estado. Sobreviventes da ditadura de
Vargas, militantes dos anos sessenta e setenta são algumas testemunhas vivas das
atrocidades que lá experimentaram.
Museu da Policia Civil Por. N. Leão |
Este
prédio foi construído em 1910 para sediar a “Repartição Central da Polícia
Civil”, com o objetivo de dar mais eficiência à polícia da, então, Capital
Federal. Nesse local atuaram todos os
órgãos de polícia política, desde os seus primórdios até a sua extinção. Nos
últimos anos, em estado abandono, o prédio expõe a sua
decadência. Abriga um pequeno museu da polícia, pouco representativo e
insignificante, dada a sua estatura arquitetônica e seu potencial favorável à
realização de exposições, palestras, projeção de filmes, peças teatrais dentre
outras atividades educativas ligadas à memória das lutas sociais. Para esta missão, é necessária uma
restauração física e sua devolução ao conjunto da sociedade, para que dele se
aproprie e faça ali um local de memória de sua história, marcada pela brutalidade
e pela intolerância política.
Interior do Edificio Por N. Leão |
A
decisão entre estas duas alternativas incompatíveis, a de dar lugar a um espaço
de shopping, associada ao esquecimento, e a de dar lugar a um Centro de
Memória, se insere na disputa social pela memória, movimento permanente e
incessante da história e que, inevitavelmente, irá envolver uma mobilização
social. Nesta tensão entre a política de silenciamento/esquecimento versus
política pública de afirmação da memória, o que está em questão, e precisa ser
urgentemente processada pelas forças sociais, é a definição de seu uso, o tipo
de gestão e a sustentabilidade do empreendimento.
Celas do Antigo DOPS Por N. Leão |
A
inserção dos Direitos Humanos na formação social permanece sendo uma dívida do
Estado para com a sociedade. No campo da Justiça de Transição o Brasil tem se
movimentado lentamente, ainda que nos últimos anos iniciativas se apresentem.
Além da busca da verdade, da construção de memória de períodos autoritários, um
dos desafios que se apresenta é o da necessidade de reformas nas instituições,
em especial nas forças policiais. No cenário estadual e nacional, esforços
urgentes precisam ser adotados: a violência se alastra no corpo social e é
banalizada. O índice de violações de Direitos Humanos praticadas por agentes
públicos policiais é extremamente elevado e inaceitável; iniciativas do Estado
são necessárias e urgentes para a mudança do gravíssimo quadro em que nos
encontramos. Um Centro de Memória que congregue atividades culturais, de gestão
participativa, balizado nas inovações de sustentabilidade das experiências
latino americanas, é um componente educativo importante para a formação de
cidadãos, de agentes públicos. Sendo a sua missão a garantia da memória dos
acontecimentos, se estima que o Centro de Memória possa, desta forma, atender a
premissa de esclarecer a violência estatal que foi silenciada, respeitar o
princípio da não repetição, fortalecendo a democracia.