quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

MANIFESTO EX-DOPS/RJ: OCUPAR A MEMÓRIA PARA NÃO ESQUECER A NOSSA HISTÓRIA



Campanha pela transformação do prédio do ex-DOPS/RJ em Espaço de Memória da Resistência

O edifício inaugurado em 1910, localizado na Rua da Relação com Rua dos Inválidos, no Centro do Rio de Janeiro, foi construído para sediar a Repartição Central de Polícia. Ao longo dos anos, abrigou distintas polícias políticas responsáveis por coibir reações de setores sociais que supostamente pudessem comprometer a “ordem pública”. De 1962 a 1975, funcionou no prédio o Departamento de Ordem Política e Social do Rio de Janeiro (DOPS-RJ), um dos principais órgãos de perseguição política, tortura, morte e desaparecimento forçado de pessoas durante a ditadura civil-militar. Tombado pelo Instituto Estadual do Patrimônio Cultural (INEPAC), o prédio, hoje sob a administração da Polícia Civil, encontra-se em péssimo estado de conservação, com arquivos em deterioração, o que evidencia a destruição e o abandono do poder público para com o patrimônio histórico.
Frente ao inegável atraso do Brasil em matéria de Justiça de Transição, faz-se urgente a destinação do prédio, por parte do governador do estado, para a construção de um espaço comprometido com a memória da resistência e das lutas sociais, e que explicite a relação entre as violações cometidas pelo Estado no passado e no presente, estimulando medidas que impeçam a repetição de tais práticas. É preciso transformar o prédio em um espaço voltado para as políticas de Direitos Humanos, de modo que seja dinâmico e exclusivo, congregando a produção, guarda e circulação de informações, documentações, acervos, projetos e propostas voltadas ao direito à memória, verdade e justiça. Para isso, os distintos movimentos sociais devem ser atores centrais na construção e gestão deste espaço.
A reparação dos danos causados pelo impacto da violência de Estado no conjunto da sociedade se faz através de medidas concretas, como a criação de suportes de memória, ou seja, a implementação de instrumentos que reivindicam o reconhecimento de um passado deliberadamente soterrado, esquecido e silenciado pelas versões oficiais da história, e contribuem com a formação de princípios éticos para a construção democrática do presente e do futuro. O Estado brasileiro e o governo do Rio de Janeiro têm esta dívida histórica pendente. Tornar público o que ocorreu em tempos sombrios fortalece a cidadania, revigora a democracia e pavimenta um futuro de mais justiça. 
No intuito de fazer do prédio do antigo DOPS/RJ um marco na defesa e promoção dos direitos humanos no Rio de Janeiro, queremos a imediata transformação deste em um espaço de memória da resistência e das lutas sociais!

Anistia Internacional Brasil
Associação Nacional dos Anistiados Políticos, Aposentados e Pensionistas (ANAPAP)
Centro de Defesa dos Direitos Humanos de Petrópolis (CDDH - Petrópolis)
Centro pela Justiça e o Direito Internacional (CEJIL)
Coletivo RJ Memória, Verdade e Justiça
Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil-RJ
Fórum de Reparação e Memória do Rio de Janeiro
Grupo Tortura Nunca Mais do Rio de Janeiro
Instituto Augusto Boal
Instituto de Estudos da Religião (ISER)
Justiça Global
Levante Popular da Juventude do Rio de Janeiro
Núcleo de Direitos Humanos da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio)
Partido Comunista Revolucionário (PCR)
Unidade de Mobilização Nacional pela Anistia (UMNA)





Colégio Presidente Médici decide trocar nome para Colégio Carlos Marighella

Mário Magalhães 12/12/2013 13:44

Numa eleição histórica encerrada anteontem, a comunidade do Colégio Estadual Presidente Emílio Garrastazu Médici, de Salvador, decidiu que a instituição deve ser rebatizada como Colégio Estadual Carlos Marighella.

Os eleitores, na maioria alunos, deram 406 votos (69%) a Marighella e 128 ao geógrafo Milton Santos. Os nulos foram 25, e os brancos, 27. O resultado será encaminhado à Secretaria da Educação da Bahia, para que o Estado promova uma “reinauguração”, palavra empregada pela diretora do estabelecimento, Aldair Almeida Dantas, em conversa com o blog.

O colégio foi inaugurado em 1972, quando o general gaúcho Médici (1905-85) ocupava a Presidência da República, sem ter recebido um só voto popular. Seu governo (1969-74) marcou o período de maior repressão e falta de liberdades na ditadura imposta em 64.

Do golpe que derrubou o presidente constitucional João Goulart até 1985, nos 21 anos em que ditadores ocuparam o Palácio do Planalto, ao menos 400 oposicionistas foram mortos por agentes públicos. Boa parte havia sido presa com vida, estava sob custódia do Estado e foi torturada até a morte.  Mais de 130 cidadãos tiveram os corpos desaparecidos para sempre, sem que as famílias pudessem lhes oferecer um enterro digno. Nem mesmo a legislação da ditadura autorizava tortura e execução de seres humanos.

O guerrilheiro baiano Carlos Marighella (1911-69) foi declarado pela ditadura, em novembro de 1968, “inimigo público número 1”. Militante comunista na maior parte da vida, ele se incorporou em 67 à luta armada contra o regime. Fundou a maior organização guerrilheira de combate à ditadura, a Ação Libertadora Nacional, ALN.

Foi assassinado em 1969, no governo Médici, por ao menos 29 membros da polícia política armados até os dentes. Desarmado, Marighella não portava nem um canivete. Em decisões de 1996 e 2011, a União reconheceu que o “inimigo” poderia ter sido preso vivo, assumiu a responsabilidade por seu homicídio e pediu perdão à sua família.

O outro candidato da eleição, o geógrafo baiano Milton Santos (1926-2001), foi um dos pensadores brasileiros mais brilhantes do século XX. Perseguido pela ditadura, foi obrigado a passar mais de uma década no exílio, inclusive durante a administração do general Médici.

Milton Santos e Carlos Marighella eram afrodescendentes. Médici era branco.

O pleito foi coordenado pelo colegiado da escola, composto por professores, funcionários, estudantes e pais de alunos _segmentos que tiveram direito a voto. Ninguém propôs manter na cédula o nome atual _insatisfeitos com as opções votaram branco e nulo. O colégio Médici é de ensino médio e profissionalizante.

Continuam a existir no Brasil centenas ou milhares de sítios públicos batizados em homenagem a próceres e símbolos da ditadura. Seria como eternizar na Alemanha reverências do tempo do nazismo ou, na Argentina, da ditadura 1976-83. Mas não existe escola berlinense Adolf Hitler ou praça portenha Jorge Rafael Videla, o ditador que principiou o ciclo genocida. Tiranos e açougueiros do passado não devem servir de exemplo aos jovens.

É esse o caminho apontado no colégio Médici, futuro colégio Marighella.

Como assinalou a diretora Aldair, na origem da escolha pela mudança de nome esteve uma exposição dos alunos, derivada de “um trabalho espetacular da professora Maria Carmen”. Chamaram-na “A vida em preto e branco: Carlos Marighella e a ditadura militar”.

Um vídeo com a socióloga e professora Carmen apresentando a exposição : 





Testemunho pessoal

Sou autor da biografia “Marighella – O guerrilheiro que incendiou o mundo” (Companhia das Letras). Um exemplar aparece no vídeo, entre os objetos expostos no _ainda_ colégio Médici. A professora Carmem disse, comovendo-me: “Seu livro foi uma base e uma inspiração para esse trabalho”.

Como sabe quem leu a biografia, não produzi nem uma hagiografia, promovendo os feitos do protagonista, nem um libelo contra ele. Escrevi uma reportagem, contando o que Marighella fez, disse e, na medida do possível, pensou. Não o julgo ou trato como herói ou bandido _empenho-me em fornecer informações para cada leitor formar seu próprio juízo.

Mas, como dizia João Saldanha, grande amigo de Marighella, eu não sou filho de chocadeira _tenho opinião. A ditadura foi um mal, e seus crimes devem ser narrados, bem como os criminosos, punidos. A história não deve apagar personagens, como a ditadura e suas viúvas tentaram fazer com Marighella, ou como os artistas de Stálin faziam eliminando das fotografias as pessoas caídas em desgraça.

A professora Carmem e seus alunos orgulham o Brasil. Assim como é legítimo haver escolas com o nome de Carlos Lacerda (1914-77), líder de direita de gigantesco talento, é legítimo reverenciar um dirigente de esquerda como Carlos Marighella.

Ilegítimo é bajular em prédio público a memória de ditador, perenizando o elogio das trevas.


Tomara que o governo Jacques Wagner não barre a decisão democrática e soberana da comunidade que decidiu pela civilização, contra a barbárie.

terça-feira, 10 de dezembro de 2013

OCUPAR A MEMÓRIA PARA NÃO ESQUECER A NOSSA HISTÓRIA!




No próximo dia 13 de dezembro, completam-se 45 anos da edição do Ato Institucional nº 5, o mais severo decreto emitido pela ditadura civil-militar brasileira, responsável pela suspensão de várias garantias constitucionais.
Neste dia, nós, Coletivo Memória, Verdade e Justiça, vamos lembrar deste acontecimento, e também celebrar o direito à memória, verdade e justiça. Queremos convidá-lo, portanto, a estar presente no ato de lançamento daCampanha pela transformação do prédio do ex-DOPS/RJ em Espaço de Memória da Resistência, que ocorrerá no Centro Cultural da Justiça Federal, Av. Rio Braco, 241, Centro, às 10hs.
Na ocasião, ex-presos políticos entregarão representações ao Procurador da República no Rio de Janeiro Antonio Cabral.

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Preso foi torturado em hospital, diz família

Dops interrogou Raul Ferreira no Hospital do Exército em 1971, um dia antes de sua morte
ITALO NOGUEIRADO RIO

A morte do engenheiro Raul Amaro Nin Ferreira, vítima de sessões de tortura em dependências das Forças Armadas durante a ditadura militar, teve um último capítulo dentro do Hospital Central do Exército (HCE), no Rio.
Documento localizado pela família no Arquivo Público do Rio indica que ele foi interrogado na unidade de saúde um dia antes de morrer.
O papel faz parte de uma pesquisa feita por dois sobrinhos do engenheiro, morto em agosto de 1971, e pelo Grupo Tortura Nunca Mais de São Paulo. Na análise da família, Raul foi submetido a torturas no hospital. O relato de agressões no HCE foi considerado inédito pela Comissão Estadual da Verdade do Rio.
O levantamento do arquiteto Felipe Nin, 27, e do advogado Raul Nin, 31, com apoio de Marcelo Zelic, do Tortura Nunca Mais, reuniu mais 300 páginas de documentos públicos que detalham os 12 dias em que o engenheiro ficou sob poder dos órgãos de repressão da ditadura.
Logo após sua morte, Raul Ferreira foi apontado pelo SNI (Serviço Nacional de Informações) como membro do comando nacional do MR-8, grupo que participou da luta armada contra a ditadura. A família diz que ele apenas fazia parte da rede de apoio do grupo, guardando materiais e financiando algumas ações.
A morte em decorrência da tortura já havia sido confirmada pela Justiça em 1994, em processo movido pela mãe de Raul. Relato de um ex-soldado confirmou as agressões nas dependências do DOI-Codi, mas havia pouca informação sobre os dias do engenheiro no hospital.
O principal documento encontrado pela família é um ofício do Comando do 1º Exército, à época sob responsabilidade do general Sylvio Frota, à direção do HCE, solicitando autorização para a entrada de dois agentes do Dops (Eduardo Rodrigues e Jeovah Silva) para interrogar Raul no dia 11 de agosto.
O engenheiro completava naquele dia uma semana de internação após tortura no DOI-Codi. Foi declarado morto no dia seguinte. A família achou o prontuário de entrada de Raul no hospital, em 4 de agosto, que detalha as lesões. Laudo feito por médico da família logo após a morte indica mais lesões que as descritas na entrada no HCE.
"Há indícios fortíssimos de que ele foi torturado dentro do hospital", disse Raul Nin.
Outro indício apontado pela família é relatório do SNI, de 11 de agosto, que faz referência a um interrogatório. Nele, Raul nega ser o dono do material encontrado em sua casa (mimeógrafo, rádios comunicadores, panfletos). O relato termina assim: "Não houve tempo para inquiri-lo sobre todo o material encontrado em seu poder" --outro indício de que o engenheiro foi torturado no depoimento.
O relatório aponta 17 pessoas envolvidas na prisão, interrogatório, tortura e morte do engenheiro. A Comissão Estadual da Verdade buscará mais informações no HCE.

Governo reconhece índio como perseguido político e concede indenização de R$ 61 mil

Tiuré, preso e torturado nos anos 70 e 80, é o primeiro indígena que obteve a condição de anistiado no país

Do Globo, 3.12.13

Nascimento, primeiro indígena anistiado da ditadura André Coelho /BRASÍLIA - O índio potiguar José Humberto Costa Nascimento, conhecido como Tiuré, é o primeiro indígena que obteve a condição de anistiado político, concedida pelo governo brasileiro. Tiuré foi monitorado, preso, torturado nos anos 70 e 80 e pediu asilo no Canadá, onde viveu durante 25 anos, entre 1985 e 2010. No final de novembro, a Comissão de Anistia reconheceu a perseguição do Estado ao indígena e, além do pedido oficial de desculpas, concedeu-lhe uma indenização, em prestação única, no valor de R$ 61 mil.



Filho de índios, Tiuré não nasceu numa aldeia, mas na cidade, no Rio Grande do Norte, e ingressou na Funai nos anos 70, onde trabalhou no Departamento de Patrimônio Indígena. Inconformado com a forma como os militares tratavam os indígenas, decidiu abandonar a fundação e seguir para a Amazônia, para defender os interesses desses povos.

- Os militares tinham o interesse no extermínios dos povos indígenas. Vários documentos que passaram pela minha mão demonstravam que esse era o objetivo - disse Tiuré na segunda-feira.
Ao lado do povo paracatejê, no sul do Pará, mobilizou os índios contra a exploração dos donos dos castanhais. Os indígenas eram explorados por esses fazendeiros, num sistema análogo à escravidão. Tiuré coordenou outras ações, como impedimento de construção de estradas nas áreas indígenas e até o sequestro de uma equipe de engenheiros, soltos algum tempo depois. Na região da Guerrilha do Araguaia, o anistiado conviveu com os índios suruí, que mantiveram contato com os guerrilheiros e que também foram usados pelos militares.
Visado pelos militares e identificado como um agitador e terrorista, Tiuré deixou a região, por recomendação dos índios, e foi para João Pessoa (PB). Bem no início dos anos 1980, ele foi preso pela Polícia Federal, ficou horas em poder dos agentes, e contou que sofreu torturas.
- Não foi fácil, cheguei a desmaiar. Mas senti que não queriam me matar. Me levaram para um terreno baldio, me espancaram e me chamavam de agitador o tempo inteiro - afirmou o indígena.
A casa onde morava chegou a ser incendiada. Como as ameaças não cessavam, Tiuré decidiu pedir asilo ao governo do Canadá, em 1985. O seu processo para ser reconhecido como refugiado pelo Alto Comissariado da ONU levou seis anos. Nesse período, no Canadá, ele disse que vivia uma "meia prisão domiciliar".
- Era um lugar para refugiados, sem muitas condições. Eu não podia estudar nem trabalhar na minha condição. Testemunhei suicídios. Depois, com o status de refugiado, a coisa mudou. Estudei numa universidade indígena, dei palestras e a vida melhorou.
'Pouco ou nada se fala sobre a relação entre a ditadura e os índios'
Tiuré decidiu voltar ao Brasil após a vitória de Dilma Rousseff para a presidência da República.
- Entendi a vitória dela como um chamado para voltarmos ao país. Mas seu governo decepcionou na política indigenista e há muito o que fazer.
Tiuré acredita o fato de ser o primeiro indígena anistiado irá provocar um debate sobre esse assunto no país.
- Pouco ou nada se fala sobre a relação entre a ditadura e os índios. Que essa decisão se estenda a centenas de outros que também foram vítimas de muitas violações.
No primeiro semestre deste ano, a Comissão de Anistia começou a julgar o processo de Tiuré, mas a documentação estava incompleta. A comissão queria provas de que, mesmo não tendo nascido numa aldeia, Tiuré poderia ser considerado um indígena. Um laudo antropológico desfez a dúvida, a favor do índio. Ele chegou a ameçar greve de fome se sua condição de anistiado não fosse aprovada.

quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Homenageados, ex-presos da ditadura não querem desculpa 'da boca pra fora'





Cerca de 100 pessoas presas e torturadas pelo regime militar receberam nesta sexta-feira um pedido de desculpa formal por parte do Estado do Rio
André Naddeo

Ex-preso político,
Nelson Nahon aponta para a foto de uma ex-colega de faculdade,
desaparecida na ditadura 
Foto: André Naddeo / Terra


Um pedido de desculpas formal que não pode ser "da boca para fora". Este é o sentimento dos cerca de 100 ex-presos políticos da ditadura, que foram homenageados no início da tarde desta sexta-feira em cerimônia na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj). A solenidade faz parte de uma ação do Estado fluminense a fim de reparar, pelo menos em parte, os danos sofridos por estudantes e militantes da esquerda durante o regime militar.
"Isso para a gente, diante de tudo o que passamos, é um valor simbólico. O que precisamos é que isso não seja uma desculpa da boca para fora. É preciso medidas mais efetivas", afirmou a psicóloga e ex-presa política Vera Vital Brasil, uma das 790 pessoas que receberam a indenização de R$ 20 mil do Estado por terem comprovado que sofreram qualquer tipo de ameaça e tortura, física e/ou psicológoca, por parte dos militares ao longo do regime (1964 – 1985).
A Comissão Especial de Reparação (CER) foi instaurada em abril de 2004 e, ao longo de três etapas, indeferiu o pedido de 186 pessoas que não puderam comprovar, por fotos, jornais de época ou qualquer outro tipo de documentação, que foram vítimas da repressão da ditadura. "Estamos aqui para reparar um erro do Estado, concluindo um ciclo para pedir formalmente desculpas", destacou o secretário estadual de Assistência Social e Direitos Humanos, Zaqueu Teixeira.
Ele anunciou nesta sexta-feira também que a CER terá uma quarta etapa a partir do início do ano que vem e os ex-presos que não puderam fazer parte dos primeiros processos terão um prazo de 180 dias para, junto à secretaria estadual de Direitos Humanos, pedir este reparo indenizatório.
Vera Vital Brasil teve que viver seis anos no Chile, exilada
 Foto: André Naddeo / Terra


"Muita gente não conseguiu ainda ser indenizada, é importante que o Estado dê mais tempo para essas pessoas", destacou ainda Vera, que era estudante de farmácia pela UFRJ, em 1969, quando foi presa, levada para o Destacamento de Operações de Informações do Centro de Operações de Defesa Interna (Doi-Codi) e torturada pelos membros do regime. Detida por três meses, fugiu para o Chile, onde permaneceu exilada por seis longos anos.

"Quem passou por lá (Doi-Codi), sabe como foi. É preciso que se reative a memória das pessoas e se crie uma polícia e um aparato de segurança pública que seja banhada em direitos humanos. É inaceitável que até hoje, casos como o do (pedreiro e morador da Rocinha) Amarildo continue ocorrendo", disse ainda.

Quadro dos desaparecidos

Nelson Nahon, médico, também esteve na cerimônia com um quadro dos desaparecidos da Guerrilha do Araguaia. Ele aponta três colegas da UniRio, todos estudantes de Medicina, que por serem militantes do PcdoB, assim como Nahon, desapareceram e jamais tiveram o seu paradeiro conhecido.
"O mais importante é que seja algo que a gente nunca mais viva, nunca mais passe por isso. É preciso avançar. Como a amiga disse, não pode ser algo da boca para fora", disse, entre lágrimas, ao lembrar as torturas que sofreu nos porões do Doi-Codi e, posteriormente, no Departamento de Ordem Política Social (Dops). Foram longos oito meses e 13 dias. "Esse é o único número exato que eu lembro até hoje. Não dá para esquecer."





Seminário "O valor da Memória, Verdade e Justiça na Construção Democrática"


Evento organizado pelo Consulado de Argentina em Rio de Janeiro. 
Seminário "O valor da Memória, Verdade e Justiça na Construção Democrática" e um Workshop sobre Pedagogia da Memória, no próximo dia 4 de dezembro. 

Nos dias 5 a 7 de dezembro também terá uma mostra de filmes argentinos. 
Mais informação aqui

terça-feira, 26 de novembro de 2013

Brasil Nunca Mais Digit@l


"Em 1979, um grupo de religiosos e advogados iniciou um projeto extremamente ambicioso: obter junto ao Superior Tribunal Militar (STM), em Brasília, informações e evidências de violações aos direitos humanos praticadas por agentes do aparato repressivo do Estado durante a ditadura militar (naquela época ainda em curso), para compilar essa documentação em um livro-denúncia. Pretendia-se, ainda, evitar o possível desaparecimento dos documentos durante o processo de redemocratização. Considerava-se que a preservação desses elementos era indispensável como fonte de pesquisa sobre essa fase da história do Brasil."

E agora está online!


"O projeto Brasil Nunca Mais Digital (BNM Digital) traz para a era virtual o acervo do histórico Brasil: Nunca Mais, desenvolvido nos anos oitenta pelo Conselho Mundial de Igrejas e a Arquidiocese de São Paulo. Até agora recluso aos arquivos em papel e em microfilme, disponíveis apenas para os pesquisadores com possibilidade de ir a Campinas, Brasília ou ao exterior, esse valioso material passa a ser acessível de qualquer lugar do planeta. E melhor, pode ser pesquisado com uso de programas sofisticados de busca indexada."


Acesse aqui! 


(Informação tirada do site do BNM Digit@l)

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Archivo Provincial de la Memoria: Los Árboles de la Vida

Intervenção urbanda do Archivo Provincial de la Memoria de Córdoba


Este evento aconteceu no marco da Mega causa sobre el terrorismo de Estado en Córdoba e tem como objetivo homenagear as 254 vitimas deste julgamento, plantando arvores em lugares nas datas quando as pessoas foram desaparecidas.   



quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Nota de repúdio da Comissão da Verdade de São Paulo "Rubens Paiva"


Nota de repúdio da Comissão da Verdade de São Paulo "Rubens Paiva"




A Comissão da Verdade de São Paulo “Rubens Paiva” vem a público manifestar seu repúdio à invasão do Ossário Geral do Cemitério do Araçá, ocorrida na madrugada deste domingo (3/11), quando foram destruídos elementos da instalação “Penetrável Genet / Experiência Araçá”, de autoria dos artistas Anna Ferrari e Celso Sim, que tematiza a questão dos mortos e desaparecidos políticos da ditadura.

 Além da destruição dos monolitos de mármore que integravam a instalação, três sacos plásticos contendo ossadas foram abertos e o conteúdo foi espalhado, o que configura, além de crime, um enorme desrespeito com os restos mortais depositados nas gavetas violadas.

Vale ressaltar que esse ato de vandalismo ocorreu logo após o Ato Ecumênico “Pelo dever e pelo direito de sepultar os mortos”. Tratou-se de uma linda homenagem às vítimas da ditadura militar, que foi realizado pelo movimento por memória, verdade e justiça, em 2 de novembro, Dia dos Finados, exatamente no mesmo Cemitério do Araçá.

Essa violência é inaceitável. As autoridades competentes devem apurar com rigor e urgência as circunstâncias e os responsáveis por essa conduta criminosa, que afetou não somente a instalação artística, mas também constituiu uma afronta à consolidação da democracia e ao respeito integral aos direitos humanos.

 Diante da gravidade do ocorrido, convocamos todas e todos para estarem presentes no ato de repúdio que será realizado no dia 5 de novembro, terça-feira, às 12h, no Ossário Geral do Cemitério do Araçá. Nesse ato, também será inaugurada a obra “Penetrável Genet / Experiência Araçá”.


Pedimos que circulem em suas redes a presente nota e divulguem o mais amplamente este chamado.



São Paulo, 4 de novembro de 2013.




Comissão da Verdade do Estado de São Paulo “Rubens Paiva”

Deputado Estadual Adriano Diogo – Presidente


Comissão da Verdade da Câmara Municipal
Vereadora Juliana Cardoso
Vereador Gilberto Natalini

CPMVJ - Comitê Paulista, Comitê Paulista Pela Memória, Verdade e Justiça





COMISSÃO DA VERDADE DO ESTADO DE SÃO PAULO “RUBENS PAIVA”

Comissão da Verdade do Rio quer transformar antigo prédio do Dops em centro de memória

Vladimir Platonow
Repórter da Agência Brasil
04/11/2013


Rio de Janeiro – O antigo prédio do Departamento de Ordem Política e Social (Dops), que serviu de aparelho repressor estatal em duas ditaduras, a de Getúlio Vargas e a do regime militar, pode se transformar em um centro de memória dos movimentos sociais e políticos. A iniciativa é da Comissão Estadual da Verdade do Rio (CEV-Rio), que hoje (4) iniciou um seminário para debater o tema. Atualmente, o prédio está sob responsabilidade da Polícia Civil, que pretende inaugurar ali o Museu da Polícia.
O presidente da CEV-Rio, o advogado Wadih Damous, participou de uma mesa de depoimentos de ex-presos políticos que foram torturados nas dependências do antigo Dops. O evento foi organizado na calçada em frente ao prédio, na esquina da Rua da Relação com a Rua dos Inválidos.
“Foi um ato para dar voz aqueles que aqui estiveram presos em determinados períodos da repressão ditatorial, para poderem relatar tudo aquilo que sofreram, todas as arbitrariedades, os espancamentos, as torturas. Nós queremos transformar o prédio em um museu da resistência e da repressão. Isso é um modelo que está sendo efetivado em diversos países, inclusive da América Latina, onde ocorreram ditaduras”, disse Damous.
Uma das presas políticas que ficaram confinadas no local é a farmacêutica Ana Miranda, que contou o que passou no antigo prédio do Dops e também no quartel do Exército da Rua Barão de Mesquita, na Tijuca, onde funcionava o extinto Destacamento de Operações de Informações-Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi), responsável pela maior parte dos atos de violência e tortura.

“Nós precisamos nos apropriar deste espaço para que as próximas gerações possam entender e saber o que se passou, para que a gente possa refletir e criar políticas públicas para que não se repita o que aconteceu. É uma das formas de impedir que a violência policial continue acontecendo, com desaparecimentos e mortes em confrontos”, disse.
Ana ficou presa durante a ditadura por cerca de cinco anos, sendo nove meses no antigo Dops, em um local nos fundos do prédio conhecido como depósito de presos: “Era um local de presos comuns e de condenados pela Lei de Segurança [Nacional]. Em 1964, muita gente foi torturada ali dentro. Mas a tortura sistemática ocorreu nesse prédio em todo o século passado, sob a chefia de Filinto Müller, no Estado Novo, e depois até 1969”.
O gaúcho João Figueiró, de 88 anos, também ficou preso no antigo prédio do Dops, porque na época ele militava no Partido Comunista Brasileiro (PCB). Até hoje ele tem pesadelos com as torturas que sofreu no local. “Eu me sinto mal [próximo ao prédio], pois me faz lembrar quando a gente estava no pau de arara [em que o torturado é preso em um pedaço de madeira, amarrado pelas mãos e pelos pés] e na cadeira do dragão [onde eram aplicados choques elétricos]. Eu não posso ouvir um miado de gato de noite, porque me faz lembrar as torturas dos companheiros e os gritos deles. É horrível. Tenho pesadelos. Isso não passa nunca”, lembra.
Figueiró também foi preso político na ditadura Vargas e ficou detido no antigo presídio da Ilha Grande, no sul do estado, de 1943 a 1945. “As minhas unhas foram arrancadas duas vezes: na ditadura do Vargas e na ditadura militar”, disse. Ele se aposentou como auxiliar de administração escolar em um colégio na zona sul do Rio.
Procurada para se manifestar sobre o desejo da CEV-Rio de transformar o prédio do antigo Dops em um memorial político, a Polícia Civil informou, por meio de nota, que aceita ceder parte do imóvel. “De acordo com o subchefe Administrativo, Sérgio Caldas, em reunião com integrantes da Comissão da Verdade do Estado do Rio de Janeiro, há cerca de seis meses, ficou acordado que parte do terceiro andar do Palácio da Polícia será destinado à comissão”.
Edição: Fábio Massalli



http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2013-11-04/comissao-da-verdade-do-rio-quer-transformar-antigo-predio-do-dops-em-centro-de-memoria 

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

Estadão : Militares recebem Comissão da Verdade, mas proíbem visita a quartel no Rio

21 de agosto 2013 

Tenente-coronel diz ter cumprido ordem de não autorizar acesso de integrantes do colegiado ao prédio, centro de repressão na ditadura

Rio - Integrantes da Comissão Estadual da Verdade do Rio que Janeiro que tentaram, na manhã desta quarta-feira, visitar o quartel onde funcionou o Destacamento de Operações e Informações (DOI) do 1º Exército durante a ditadura de 1964-1985 saíram às 11h20 da unidade sem conseguir percorrê-la. No local, hoje, fica sediado o 1.º Batalhão da Polícia do Exército, na Tijuca, zona norte.



O comandante do 1.º BPE, tenente-coronel Luciano Correia Simões, recebeu a comissão, o deputado federal Ivan Valente (PSOL-SP), que em 1977 esteve preso no DOI, e os deputados estaduais Gilberto Palmares e Robson Leite, ambos do PT, além de alguns ex-presos políticos que foram torturados no local. Embora cordial, o militar informou cumprir ordens superiores ao não permitir a visita ao local, que a comissão pretende tombar e transformar em um centro de memória dedicado às vítimas da ditadura.
O veto já fora comunicado à comissão na véspera, por meio de ofício do Comando Militar do Leste, entregue por dois coronéis. Mesmo assim, a comissão e ativistas de direitos humanos se concentraram ontem na Praça Lamartine Babo, em frente a uma entrada lateral do quartel, após as 10 horas. Pouco antes das 11 horas foram para a entrada principal, na rua Barão de Mesquita, 425, e pediram para entrar. O coronel Luciano permitiu a entrada da comissão, dos três parlamentares que a acompanhavam (deputado federal Ivan Valente, do PSOL, e deputados estaduais Robson Leite e Gilberto Palmares) e de alguns ex-presos políticos que foram torturados no local. Durante a reunião, que durou cerca de 20 minutos, o CML divulgou nota oficial, na qual alega que o Comando do Exército está vinculado ao Ministério da Defesa, órgão federal, portanto não se subordina à Lei Estadual 6335/2012, que criou a Comissão Estadual da Verdade.
"(Não deixar a Comissão Estadual da Verdade visitar o quartel) É ilegal", protestou o presidente da comissão, Wadih Damous. "Vamos insistir junto ao Ministério da Defesa e vamos convidar o ministro Celso Amorim para fazer a visita conosco." Valente informou que pretende convocar Amorim à Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados, para prestar esclarecimentos sobre o veto. "Fiquei preso aqui", contou o deputado federal, que foi torturado por integrar o Movimento de Emancipação do Proletariado (MEP). Na ocasião, outras 16 pessoas foram presas.
Durante a reunião, além de Valente, dois ex-presos políticos que passaram pelo DOI, Álvaro Caldas e Cecília Coimbra, descreveram para o tenente-coronel Luciano as torturas que sofreram no local. "Eu lamento profundamente", afirmou o oficial, segundo relato de Cecília. Nos anos 70, no DOI do Rio de Janeiro, ocorreram, além de torturas, assassinatos e desaparecimentos de presos políticos, como Rubens Paiva e Mário Alves. Ontem, as fotos de alguns deles foram expostas por ativistas de direitos humanos em varal na Praça Lamartine Babo, a poucos metros da unidade.
Durante o encontro, o presidente da comissão, Damous tentou um contato por telefone com o comandante Militar do Leste, general Francisco Carlos Modesto, para reivindicar que a comissão visite o quartel. Do CML, informaram que o militar não estava, mas, algum tempo depois, o general retornou a ligação. Ficou acertado um encontro para esta tarde, no Palácio Duque de Caxias, para discutir o assunto.

quarta-feira, 31 de julho de 2013

CHAMADA: I Encontro Regional Sudeste da Rede Brasil MVJ - próximo sábado, 03/agosto

Nós, do Coletivo RJ Memória, Verdade e Justiça, convidamos para o I Encontro Regional Sudeste da Rede Brasil MVJ (Memória, Verdade e Justiça) a ser realizar no próximo dia 03 de agosto, das 9h30 às 17h30, na sede do ISER, situada à Rua do Russel, 76 - 5º andar (estação do metrô Glória, saída Viva Rio/Outeiro da Glória).

Nesses dois anos de existência do Coletivo RJ, a luta tem avançado e requer troca de experiências e maior consistência no debate sobre o tema que nos une, o que ajudará na proposição de alternativas para o momento em que vivemos.






Manifestação da Articulação Estadual por MVJ
em frente ao prédio da Polícia Civil (ex-DOPS RJ)
maio de 2012




Programação:


DIA 03 AGOSTO - SÁBADO
MANHÃ
9h30 Apresentações dos participantes e do Coletivo RJ
10h30 Tema I: CNV – Comissão Nacional da Verdade – críticas ao primeiro ano de gestão, a crise atual e propostas
Introdução ao debate – Apresentação do Relatório do ISER
Debate e propostas
13h Almoço: sugerimos dois restaurantes b
em ao lado do ISER (‘Galeteando’ e ‘Taberna da Glória’)

TARDE
14h30 Tema II: Reinterpretação da Lei da Anistia – Diretrizes para Campanha
Introdução ao Debate
Andamento das decisões da Corte Interamericana Caso Araguaia (CEJIL)
Proposta da OAB Federal de recurso à ADPF 153 (Wadih Damous)
Proposta de Lei da Deputada Federal Erundina
16h Pausa para café
16h15 Debate e propostas
18h Término

DIA 04 DE AGOSTO – DOMINGO
MANHÃ
10h Questões organizativas da Rede Brasil MVJ (para os integrantes dos Comitês e Coletivos):
Caráter/função da Secretaria de Articulação Nacional da Rede MVJ
11h30 Pausa para café
Novos representantes – titular e suplência da Região Sudeste na Rede Brasil MVJ - continuação do debate e propostas
13h30 Término


SUGESTÃO POLÍTICO-CULTURAL
Visita conjunta, após o almoço de domingo 04 de agosto, por volta das 15h30, à CASA DAROS Latinamerica, que expõe arte contemporânea (1200 obras tais como pinturas, esculturas, vídeos, fotografias...) de 117 artistas, em especial a exposição ‘La Guerra que no Hemos Visto’, de Juan Manuel Echevarría (até 08 ago). Os trabalhos dessa exposição são testemunhos de homens e mulheres que participaram do conflito colombiano. O público também escutará reprodução de depoimentos.
Endereço: Rua General Severiano, 159
Entrada: R$ 12,00 (meia entrada para estudantes e idosos)
Domingo das 12 às 18h – quarta a sábado das 12 às 20h
Observações:
1) Nossa intenção é a de ampliar, cada vez mais, o debate. Para isso, sua presença é fundamental e contamos com ela, tanto como representante de movimentos sociais ou como interessado. Precisamos da confirmação de sua ida; favor enviá-la para o e-mail: coletivorj@gmail.com
2) Brevemente enviaremos sugestões de leitura para subsidiar as discussões.
3) Quem já estiver por aqui na sexta poderá acompanhar os trabalhos do Fórum de Participação da Sociedade Civil junto à CEV Rio – às 15h.

MAIS MEMÓRIA, MAIS VERDADE E JUSTIÇA!
Coletivo RJ Memória, Verdade e Justiça

terça-feira, 9 de julho de 2013

TESTEMUNHO DA GRANDE MOBILIZAÇÃO



"Vamos à crônica dos fatos: na segunda-feira recebo um telefonema que ia me colocar na cena que estava vendo na televisão: o acampamento de jovens que estava fixada durante os últimos quatro dias a poucos metros da residência do Governador." 


Sob a forma epistolar encontrarão a crônica de uma interessante experiência que Eduardo Losicer (Equipe Clinica Politica) vivenciou recentemente sobre o acampamento em frente da casa do Governador Sérgio Cabral.  


Querido Osvaldo,


Você teve a feliz oportunidade de acompanhar, nos três ou quatro dias que ficou por aqui antes de voltar para nossa Buenos Aires querida, algo que imediatamente entendemos – mesmo sem entender muito -- como um grande acontecimento: sem nada que o pré-anuncie, vimos multidões de jovens tomando as ruas das cidades. Sem organização nem bandeiras partidárias, movidos por uma pura vontade política de se manifestar, mesmo com protestos difusos ou pontuais, sem lideranças, convocados por redes horizontais, sustentando sua índole reivindicativa não violenta, enfim, nesses dias começamos a ver um grande fenômeno político acontecendo diante de nossos olhos e nos deixando perplexos frente a tanta novidade que nos jogavam na cara -- logo a nós que já passamos por tantas barricadas e mobilizações!

Terás percebido que estou fazendo um recorte do que podemos entender como efeitos da grande mobilização, com seus inevitáveis usos, reacionários, todos espúrios e parasitários da novidade. Colecionei uma série de expressões – entre próprias e alheias – que tentam se aproximar daquilo que pode haver de essencial neste novo sujeito social e político, independentemente das transformações que possam vir a seguir. As expressões-síntese que até agora me parecem mais fiéis ao que se passa são: ‘crise da representação’, ‘multidão desejante, ‘pulsão de massa’, ‘testemunho’ e outras. Claro que nenhuma delas é suficiente para concluir. Há uma ‘tentação de concluir’ da qual queremos escapar.

Enquanto você estava aqui no Rio, brincávamos com a ideia de qual seria a reportagem que você ofereceria aos amigos portenhos a respeito do vivido no Rio e em São Paulo. E aqui está o motivo central desta carta: tenho o relato de uma experiência, vivida no inicio desta semana, que fala por si e pode ajudar aos que queiram imaginar (não dá mais do que para isso) algo da criatura multitudinária que acaba de nascer. Em que se diferencia esta estranha recém-nascida, sem pai nem mãe, que nem nome tem, como tiveram outras massas de jovens mobilizados em outras praças do mundo? Depois da experiência que tive com os jovens (vou usar a palavra ‘jovens’ condensando vários sentidos) na segunda e terça-feira, posso dizer que pude fitar o rosto do monstro (vi a palavra ‘monstro’ usada varias vezes para denominar o levante). Foi a Vera – ela própria participou da partida da experiência – que, ouvindo meu relato posterior, me convenceu a colocar meu testemunho por escrito. Me convenceu porque aprendemos juntos que o testemunho vivo de um fato que pode vir a ser histórico é um instrumento formidável para manter viva a ‘novidade’ que o acontecimento/multidão traz – antes que as negações reacionárias do novo consigam destruí-lo -- e ajudar a afirma-lhe sua alma política, nascida em estado ‘adulto coletivo comum’.

Vamos à crônica dos fatos: na segunda-feira recebo um telefonema que, minutos depois, ia me colocar, de corpo e alma, na cena que estava vendo na televisão: o acampamento de jovens que estava fixada durante os últimos quatro dias a poucos metros da residência do Governador. Quem me chamou era uma colega profundamente sensibilizada com o contato que acabara de ter com eles. Principalmente quando souberam que era psicanalista e lhe pediram ajuda. A preocupação era com alguns companheiros com ‘os nervos a flor da pele’ e o perigo que isto se transforme na faísca esperada pela repressão presente nos policiais que estavam cara a cara com eles. Ainda por cima, a comunidade da Rocinha e do Vidigal estavam descendo o morro e não se sabia de ‘acordos’ com eles. A colega lembrou de nosso trabalho com clínica política (aqui não é necessário colocar aspas) e me transmite o pedido. [vi depois pela televisão, que a comunidade da Rocinha desceu cantando o hino nacional]

Indo com urgência para lá me fez sentir como se estivesse a bordo de em uma impensada ambulância clínico política. Convocado para ajudar em zona potencialmente conflagrada, subjetivamente me sentia em esse estimulante estado em que deveria sentir medo... mas não sentia. Não sabia se ia levar um tiro de borracha na testa ou se me sentiria totalmente alienado – em tempo e espaço – da situação real que me esperava, mas isso não era o mais importante. O que me preocupava era: de que me serviriam os quarenta anos de clinico e militante para responder a esses jovens ativados politicamente de uma hora para outra que me chamavam para a praia do Leblon justamente porque no grupo se estava produzindo uma subjetividade ‘nervosa’ que podia colocar tudo em risco?

Lá chegando pela avenida da praia, logo vi que a base real  dos acontecimentos era tão elementar que parecia irreal: não dava para acreditar que aquela esquina com algumas dúzias de pessoas inidentificáveis, sem ‘caminhão de som’, sem discurso a não ser o de suas enfartáveis cartolinas, era um dos pequenos cenários em que estavam postos os olhos do Brasil inteiro.

O encontro com a pessoa que originou o pedido foi ‘direto’, para usar a palavra que me parecia uma das mais significativas do movimento todo. Quebrado o estranhamento inicial (tampouco ela acreditava que um analista tenha se materializado na sua frente), nos entendemos rapidamente e combinamos que voltaria para me encontrar com todos durante a manha do dia seguinte. Quando se mostrou apreensiva com os companheiros que poderiam achar a psicologia como individualismo fora de lugar, a tranquilizei dizendo que a psicologia que nos praticamos não tem ‘ordem’, muito menos imposta, assim como eles não tem; por tanto, era necessário combinar o obvio: participaria quem quiser.

E assim foi: a roda que formamos em plena rua funcionou durante varias horas sob as barbas dos policiais, que a tudo assistiam a poucos metros. Tampouco eles entendiam que um coroa como eu estivesse respondendo questões sobre, por exemplo, terrorismo psicológico. Eram os jovens que chamavam deste jeito a atitude dos policiais, fardados ou à paisana, recomendando em voz baixa, ‘pelo seu bem’, sair do lugar antes que seja tarde. Não tiveram problemas em entender que, neste caso, o terror não vem só da ameaça indireta, mas da ambiguidade perversa de se apresentar como ‘protetor’. Vimos que o melhor antídoto contra este tipo de terrorismo era tomar consciência, uma e outra vez, que não havendo relação de forças violentas para ser comparadas (repressão/resistência), era obvio que a relação da força política estava integralmente do lado deles. Não, não haveria tanques (não estávamos na Praça da Paz Celestial) nem qualquer força bélica que pudesse tira-los da posição conquistada. Se eles eram combatentes do bom combate, tampouco haveria brechas psicológicas para o medo infundido e não seria por isso que abandonariam a colina conquistada. Lembrei-lhes que o terrorismo psicológico e a contrainformação já tinham sido usados em larga escala em épocas da ditadura, mas que agora são eles mesmos que estão provando que, embora vivemos em outra época, ainda perduram os ecos do terror do passado.

Um caso mais grave de ameaça telefônica dirigida a família de um dos jovens mais ativos foi a prova de que estes “serviços do Estado” ainda estavam ativos. A família colocou todo tipo de impedimento para a participação dele no acampamento. Era dramático ver o embate entre a instituição familiar e a paixão desta nova forma de militância. Para complicar o quadro, a namorada, presente, não podia disfarçar as divisões que a atravessavam. Embora a revolta fosse grande, o laço solidário e o ‘não-medo’ do conjunto (a ‘causa’ nunca estava em risco simplesmente porque não havia) eram suficientes como para esperar o desenlace da impasse sem grandes dramas. Foi lembrado que a ameaça direta à família era frequente quando a estratégia militar da repressão na ditadura se interessava em cercar ate capturar os lideres, situação que esta longe de ser a deles, uma vez que ele “se beneficiam” de ser uma massa-sem-lider, por pura opção. Longe de ser um ‘defeito político’, não ter líder se torna virtude. Como diz Castells no jornal de hoje “não há cabeças para cortar”. Alem disso, lembramos que antes eram as câmeras secretas olhando os jovens. Hoje, alem do olhar midiático – sempre caolho -- são milhares de câmeras celulares dos jovens olhando e mostrando instantaneamente o que ocorre na realidade pontual para todo mundo. Havia ali um poder publico em ato e, mesmo que sua evidencia e eficiência venha a mostrar-se momentânea ou deturpada, o sentimento era que este poder estava agindo em muitos outros lugares e que iria sempre ressurgir. Uma vez que este desconhecido poder é liberado e demonstrado, não da para negar a novidade dos fatos que cria, assim como não da para devolver o gênio à lâmpada.

A questão do grupo sem líder deu panos para manga, claro, mas não no sentido que estamos acostumados a ver na clinica dos grupos. Esta diferença facilitava tudo, porque os jovens entendiam perfeitamente que a vontade política coesa e renovada dispensava o líder condutor assim como dispensava o líder representante. Não havia messianismo de nenhuma espécie para atrapalhar; a autossuficiência do coletivo era altamente convincente.

Outra questão derivada – mais instigante para mim do que para eles –, que retoma o entendimento desta mobilização como ‘crise de representação’: não havia ‘discurso critico’ orgânico, nem sequer criticando a classe política, que é “a mãe” de todas as representações políticas. Ao mesmo tempo, os mais lúcidos declaram que o movimento é ‘suprapartidário’, e com isto se atribuíam o direito de excluir do movimento todo e qualquer emblema partidário. Também faltava discurso fundante ou de projeto, tanto que fiquei com duvidas se eles eram conscientes que estavam praticando uma forma legitima de democracia – a democracia direta – ou a ela tendiam.      

A conversa na roda reunida no asfalto -- coabitando com barracas dos ocupantes e viaturas da policia -- corria fluida (às vezes mais do que com os nossos próprios pares, pensava eu) embora descontinuada por necessidades do momento. As questões que se colocavam pareciam sempre pertinentes, afastando meus últimos temores de inadequação. Isto significava que, mesmo na situação pratica mais ‘quente’, os princípios da clinica política com que trabalhamos na nossa equipe se mostravam uteis. Alguns temas se transformavam em verdadeiros seminários a céu aberto. Aquele que poderia se titular “o Perseguidor”, por exemplo, permitiu distinguir seu efeito fantasmático na medida do necessário para o momento, isto é, na medida em que ajuda ao perseguido a sair do terror inoculado pela suspeita sempre presente e ameaçante dos infiltrados, sejam informantes ou provocadores. O que provoca terror é mais a ameaça do ataque do que o ataque real.

Algo que transmitia uma força insubstituível para o grupo era a reação dos passantes: buzinadas e gritos que só se vem nas torcidas se ofereciam como testemunhos do apoio da população. Nesses momentos, era nítido que os jovens se sentiam legitimados, mas sem euforias triunfalistas, por serem conscientes que tudo pode mudar de uma hora para outra. Neste contexto fui testemunha de um fato altamente significativo: um dos vários carros que paravam para dar alento ou para deixar uma contribuição; parou somente para deixar sua doação: cartolina e água!          

Falando em líder: te conto que no meio da muvuca tive uma reminiscência fulminante. Compreendi claramente o momento em que me iniciava como militante. Foi na minha adolescência, fazendo ‘trabalho comunitário’ no subúrbio de Buenos Aires (retrato de “o militante quando jovem”), quando assisti, passo a passo, ao nascimento de uma líder comunitária. Arrebatado pela força dessa pessoa que parecia brotar de outra pessoa, me converti. Não seria exagero, querido amigo, se te digo que, olhando para o agir e o sentimento de certos jovens do acampamento, tive fortes lampejos daquela companheira. Foi ela que originou meu percurso ate aqui, pensei, e é aqui, numa esquina de outros países, varias gerações depois, vejo germes da mesma incomparável potencia que me marcou a vida. Conste que naquela época tínhamos a paixão revolucionaria para potenciar-nos em tudo, diferente destes jovens brasileiros que se potenciam no encontro desejante comum. Tal vez tenha sido a essência deste ‘comum’ que existe entre as pessoas que aquela companheira argentina me revelou para sempre, e agora o reencontro em um diminuto ponto luminoso do Brasil.

Bom, meu paciente amigo, se depois desta sobredose de crônicas você quer mais, me avisa.

Um grande abraço,

Eduardo “Dito” Losicer


(assino por extenso para responsabilizar-me)