Silenciada pelo terror
de Estado, sufocada durante anos, a força da verdade volta, de forma
inexorável, pelo testemunho dos que sofreram a violência do Estado.
A Coragem da Verdade foi o tema do IV Encontro da série de Intercâmbios
entre profissionais brasileiros e argentinos que se iniciou em 2010, na UERJ e,
desde então, tem se desdobrado em outros espaços públicos para debater sobre as
experiências destes países vizinhos que viveram o terror de Estado nas décadas
de 60 e 70.
Estes encontros têm tratado de temas tais como a atenção
psicológica aos afetados pela violência de Estado, o acompanhamento de testemunhas
na Argentina - nos julgamentos dos responsáveis pelos crimes de lesa-humanidade
-, e a importância destes trabalhos no Brasil, em especial na Comissão Nacional
da Verdade, que será em breve instalada em nosso país.
Assim, no dia 13 de abril foi realizado na PUC-Rio este
IV encontro, uma iniciativa da Equipe Clínico-Política, do Coletivo RJ Memória,
Verdade e Justiça, em parceria com o Núcleo de Direitos Humanos do Departamento
de Direito da PUC-Rio, com apoio da ESAM e do CRP-05.
O evento teve início com a apresentação de dois vídeos
que ilustraram as iniciativas populares de mobilizações recentes no Rio de
Janeiro e em São Paulo,
em oposição à comemoração do golpe civil militar de 64 por militares da reserva.
Muitas imagens dos escrachos foram apresentadas durante o debate, mostrando que
a população brasileira não está indiferente á impunidade dos torturadores que
fere a nossa sociedade. Impunidade, um tema da ordem do dia, uma marca de nosso
passado que se multiplicou na atualidade por não ter sido colocado um limite
nas violações do Estado levando ao banco dos réus os torturadores, por força de
uma lei que insiste em protegê-los – a lei de Anistia.
O professor da PUC e membro do Núcleo de Direitos
Humanos, José Maria Gómez, inspirado pelas manifestações recentes e expressas
nas imagens, discorreu sobre a atual dinâmica nacional no campo das medidas
relativas à Justiça de Transição, em especial à expectativa da Comissão da
Verdade. Uma dinâmica social e política que se acelerou no mês de março pelas
iniciativas populares, marcadas pelas ações do Levante Popular, e do Ministério
Público Federal em alguns estados brasileiros. O professor chamou à atenção do público para
que: ainda que este panorama possa ser favorável ao avanço da luta pela Memória
Verdade e Justiça, é ainda um campo de incertezas. A Comissão da Verdade tendo como
missão a investigação dos crimes de lesa humanidade durante o período de
exceção, como poderia avançar no campo da responsabilização judicial dos repressores? Como politizar a questão da punição dos
torturadores? São perguntas que não querem calar e que precisam ser tomadas
como norte das ações pela justiça no país.
Em seguida, o debate foi enriquecido pela fala da
psicóloga Fabiana Rousseax, diretora do
Centro Dr. Fernando Ulloa
da Secretaria de Direitos Humanos da Argentina, que trouxe a experiência sobre
o acompanhamento de testemunhas, no marco dos julgamentos de responsáveis pela
tortura e extermínio. Este trabalho tem sido uma referência para os países que
neste momento estão iniciando o julgamento de torturadores como, por exemplo, o
Uruguai.
Na Argentina os julgamentos são apoiados
exclusivamente no testemunho dos que passaram pelo terror de Estado. Não há
documentos da ditadura e o judiciário reconhece o testemunho dos atingidos pelo
terror, acolhe exclusivamente as informações das vítimas/testemunhas para
investigar e proferir a sentença.
Além de situações inéditas que se apresentaram no
dia-a-dia deste acompanhamento e que exigem um esforço profissional para criar
mecanismos de forma a garantir o efeito
reparador deste ato de testemunhar, Fabiana destacou a importância da
articulação dos profissionais psi com os operadores do direito. Como exemplo
desta interlocução entre estes campos de saber e de ação, comunicou a
elaboração e entrega pública pelo Centro Ulloa ao sistema judiciário de um
“Protocolo de Intervención para el tratamiento de víctimas-testigos en el marco
de Procesos Judiciales”, visando os juízes encarregados dos processos. Lembrou ainda a importância de que sejam
realizadas ações interministeriais que possam fortalecer o avanço no campo dos
direitos humanos, como se fez entre a Secretaria de Direitos Humanos e o
Ministério da Justiça no processo de julgamento dos repressores.
O debate, uma vez aberto aos participantes, foi amplo
e enriquecedor, e os presentes tiveram a oportunidade de levar suas
experiências, formular perguntas e transitar pelo passado e pelo presente na
luta contra a impunidade, pela Memória Verdade e Justiça.
Veja o Vídeo de Latuff
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