quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Carta para a Juizá Nair Pimenta de Castro


                             Rio de Janeiro, XX de setembro de 2012.






EXMA. SRA. DRA. NAIR CRISTINA CORADO PIMENTA DE CASTRO,

(Tribunal Regional Federal da 1ª Região - Subseção de Marabá)


O COLETIVO RJ Verdade, Memória e Justiça é um fórum constituído por pessoas, grupos e organizações da sociedade civil, que se reúnem para discutir e promover atividades relacionadas ao reconhecimento do direito à Memória, à Verdade e à Justiça, referentes às violações de direitos humanos perpetradas durante a ditadura civil-militar no Brasil.

            Comprometidos na luta pela implementação da Justiça de Transição no Brasil, viemos, por meio desta, parabenizar V. Exa. pela coragem e pelo comprometimento com a democracia brasileira, demonstrados nas recentes decisões em que aceitou as denúncias criminais propostas pelo Ministério Público Federal contra o Major da Reserva Lício Augusto Maciel e o Coronel da Reserva Sebastião Curió Rodrigues de Moura.

Compartilhamos com V. Exa da certeza de que estamos diante de algo que não passou, de eventos que não ficaram no passado e que perduram até os dias de hoje. Após mais de vinte e cinco anos do fim da ditadura civil-militar brasileira, a luta contra o esquecimento e a impunidade revela ser imprescindível para combatermos a herança ditatorial que ainda se encontra fortemente presente em nossa estrutura econômica, social e política.

Somos o único país na América Latina onde algumas medidas da justiça transicional não foram implementadas. Não houve investigação ou punição pelas graves violações cometidas por agentes de Estado durante o período ditatorial e, em  decorrência, a violência policial e a tortura promovidas por agentes públicos continuam a ser práticas sistemáticas, continuamos a ser uma sociedade excludente e desigual, e a repressão a reivindicações populares mantém-se como objetivo a ser cumprido pelo nosso Estado opressor e violento.

Frente a este contexto, as decisões proferidas por V. Exa. são um marco na história democrática de nosso país e constituem um primeiro passo necessário para que o Poder Judiciário brasileiro reafirme seu compromisso com os princípios do Estado Democrático de Direito, consolidando sua jurisprudência de forma a respeitar os compromissos assumidos pelo Brasil diante da comunidade internacional.
           
Ao aceitar as denúncias criminais contra dois militares por atos cometidos durante a ditadura civil-militar no Brasil, reconhecendo a natureza permanente dos crimes de sequestro, V. Exa. contribuiu decisivamente para a efetivação dos Direitos Humanos em nosso país, especialmente no que diz respeito à obrigação internacional do Estado brasileiro de investigar e processar os desaparecimentos forçados cometidos durante a ditadura militar por agentes da repressão.[1]

            Diante de tais considerações, as decisões proferidas por V. Exa adquirem enorme relevância no contexto atual vivenciado pelo Brasil na luta por Verdade, Memória e Justiça e se revelam como uma medida fundamental para destruirmos a força do esquecimento e afirmarmos a memória como uma categoria política em constante disputa. Assim, as decisões constituem um primeiro passo para que graves violações de direitos humanos, como os sequestros descritos nas denúncias recebidas, não fiquem impunes, e para que seus perpetradores sejam responsabilizados.  


Muito  cordialmente,

COLETIVO RJ Verdade, Memória e Justiça



[1] CORTE IDH. Caso Barrios Altos versus Peru. Mérito. Sentença de 14 de março de 2001. Série C No. 75, par. 41; Caso La Cantuta, supra nota 160, par. 152, e Caso Do Massacre dos Dois Erres, supra nota 186, par. 129. / ONU. Relatório do Secretário-Geral ao Conselho de Segurança das Nações Unidas. O Estado de direito e a justiça de transição nas sociedades que sofrem ou sofreram conflitos. U.N. Doc. S/2004/616, 3 de agosto de 2004, par. 10 (tradução da Secretaria da Corte Interamericana)