quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

O prédio do Dops: dois projetos políticos em disputa



Antigo DOPS-RJ. Por N.Leão

A matéria publicada no jornal O GLOBO de domingo, 16/12/2012, desvendou o segredo que cercava o projeto da Secretaria de Estado de Segurança Pública para o prédio do antigo DOPS do Rio de Janeiro. Abriu, também, uma “caixa de pandora” de onde sai mais uma iniciativa - envolvendo poder público, empreiteiras e administradoras de shoppings - maquinada à revelia de qualquer discussão, sequer do conhecimento da
população.

Este novo cenário, finalmente, dá um passo para esclarecer o motivo pelo qual o governo estadual recusava propostas e não dava nenhuma visibilidade à que tudo indica estar em curso, e para problematizar a questão sobre a utilização do prédio.

O que está em questão são dois projetos com interesses opostos. Movimentos de Direitos Humanos, entidades de ex-presos políticos e, mais recentemente o ColetivoRJ,  há anos vêm lutando e apresentando propostas para transformar o prédio da Rua da Relação em um Centro de Memória das lutas sociais, para valorizar sua especial arquitetura, e desenvolver atividades culturais variadas e relacionadas aos períodos históricos em que predominou uma política ditatorial de Estado. Sobreviventes da ditadura de Vargas, militantes dos anos sessenta e setenta são algumas testemunhas vivas das atrocidades que lá experimentaram.

Museu da Policia Civil Por. N. Leão
Este prédio foi construído em 1910 para sediar a “Repartição Central da Polícia Civil”, com o objetivo de dar mais eficiência à polícia da, então, Capital Federal. Nesse local atuaram todos os órgãos de polícia política, desde os seus primórdios até a sua extinção. Nos últimos anos, em estado abandono, o prédio expõe a sua decadência. Abriga um pequeno museu da polícia, pouco representativo e insignificante, dada a sua estatura arquitetônica e seu potencial favorável à realização de exposições, palestras, projeção de filmes, peças teatrais dentre outras atividades educativas ligadas à memória das lutas sociais.  Para esta missão, é necessária uma restauração física e sua devolução ao conjunto da sociedade, para que dele se aproprie e faça ali um local de memória de sua história, marcada pela brutalidade e pela intolerância política.


Interior do Edificio Por N. Leão
 A decisão entre estas duas alternativas incompatíveis, a de dar lugar a um espaço de shopping, associada ao esquecimento, e a de dar lugar a um Centro de Memória, se insere na disputa social pela memória, movimento permanente e incessante da história e que, inevitavelmente, irá envolver uma mobilização social. Nesta tensão entre a política de silenciamento/esquecimento versus política pública de afirmação da memória, o que está em questão, e precisa ser urgentemente processada pelas forças sociais, é a definição de seu uso, o tipo de gestão e a sustentabilidade do empreendimento.


Celas do Antigo DOPS Por N. Leão
A inserção dos Direitos Humanos na formação social permanece sendo uma dívida do Estado para com a sociedade. No campo da Justiça de Transição o Brasil tem se movimentado lentamente, ainda que nos últimos anos iniciativas se apresentem. Além da busca da verdade, da construção de memória de períodos autoritários, um dos desafios que se apresenta é o da necessidade de reformas nas instituições, em especial nas forças policiais. No cenário estadual e nacional, esforços urgentes precisam ser adotados: a violência se alastra no corpo social e é banalizada. O índice de violações de Direitos Humanos praticadas por agentes públicos policiais é extremamente elevado e inaceitável; iniciativas do Estado são necessárias e urgentes para a mudança do gravíssimo quadro em que nos encontramos. Um Centro de Memória que congregue atividades culturais, de gestão participativa, balizado nas inovações de sustentabilidade das experiências latino americanas, é um componente educativo importante para a formação de cidadãos, de agentes públicos. Sendo a sua missão a garantia da memória dos acontecimentos, se estima que o Centro de Memória possa, desta forma, atender a premissa de esclarecer a violência estatal que foi silenciada, respeitar o princípio da não repetição, fortalecendo a democracia.