quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

MANIFESTO EX-DOPS/RJ: OCUPAR A MEMÓRIA PARA NÃO ESQUECER A NOSSA HISTÓRIA



Campanha pela transformação do prédio do ex-DOPS/RJ em Espaço de Memória da Resistência

O edifício inaugurado em 1910, localizado na Rua da Relação com Rua dos Inválidos, no Centro do Rio de Janeiro, foi construído para sediar a Repartição Central de Polícia. Ao longo dos anos, abrigou distintas polícias políticas responsáveis por coibir reações de setores sociais que supostamente pudessem comprometer a “ordem pública”. De 1962 a 1975, funcionou no prédio o Departamento de Ordem Política e Social do Rio de Janeiro (DOPS-RJ), um dos principais órgãos de perseguição política, tortura, morte e desaparecimento forçado de pessoas durante a ditadura civil-militar. Tombado pelo Instituto Estadual do Patrimônio Cultural (INEPAC), o prédio, hoje sob a administração da Polícia Civil, encontra-se em péssimo estado de conservação, com arquivos em deterioração, o que evidencia a destruição e o abandono do poder público para com o patrimônio histórico.
Frente ao inegável atraso do Brasil em matéria de Justiça de Transição, faz-se urgente a destinação do prédio, por parte do governador do estado, para a construção de um espaço comprometido com a memória da resistência e das lutas sociais, e que explicite a relação entre as violações cometidas pelo Estado no passado e no presente, estimulando medidas que impeçam a repetição de tais práticas. É preciso transformar o prédio em um espaço voltado para as políticas de Direitos Humanos, de modo que seja dinâmico e exclusivo, congregando a produção, guarda e circulação de informações, documentações, acervos, projetos e propostas voltadas ao direito à memória, verdade e justiça. Para isso, os distintos movimentos sociais devem ser atores centrais na construção e gestão deste espaço.
A reparação dos danos causados pelo impacto da violência de Estado no conjunto da sociedade se faz através de medidas concretas, como a criação de suportes de memória, ou seja, a implementação de instrumentos que reivindicam o reconhecimento de um passado deliberadamente soterrado, esquecido e silenciado pelas versões oficiais da história, e contribuem com a formação de princípios éticos para a construção democrática do presente e do futuro. O Estado brasileiro e o governo do Rio de Janeiro têm esta dívida histórica pendente. Tornar público o que ocorreu em tempos sombrios fortalece a cidadania, revigora a democracia e pavimenta um futuro de mais justiça. 
No intuito de fazer do prédio do antigo DOPS/RJ um marco na defesa e promoção dos direitos humanos no Rio de Janeiro, queremos a imediata transformação deste em um espaço de memória da resistência e das lutas sociais!

Anistia Internacional Brasil
Associação Nacional dos Anistiados Políticos, Aposentados e Pensionistas (ANAPAP)
Centro de Defesa dos Direitos Humanos de Petrópolis (CDDH - Petrópolis)
Centro pela Justiça e o Direito Internacional (CEJIL)
Coletivo RJ Memória, Verdade e Justiça
Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil-RJ
Fórum de Reparação e Memória do Rio de Janeiro
Grupo Tortura Nunca Mais do Rio de Janeiro
Instituto Augusto Boal
Instituto de Estudos da Religião (ISER)
Justiça Global
Levante Popular da Juventude do Rio de Janeiro
Núcleo de Direitos Humanos da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio)
Partido Comunista Revolucionário (PCR)
Unidade de Mobilização Nacional pela Anistia (UMNA)





Colégio Presidente Médici decide trocar nome para Colégio Carlos Marighella

Mário Magalhães 12/12/2013 13:44

Numa eleição histórica encerrada anteontem, a comunidade do Colégio Estadual Presidente Emílio Garrastazu Médici, de Salvador, decidiu que a instituição deve ser rebatizada como Colégio Estadual Carlos Marighella.

Os eleitores, na maioria alunos, deram 406 votos (69%) a Marighella e 128 ao geógrafo Milton Santos. Os nulos foram 25, e os brancos, 27. O resultado será encaminhado à Secretaria da Educação da Bahia, para que o Estado promova uma “reinauguração”, palavra empregada pela diretora do estabelecimento, Aldair Almeida Dantas, em conversa com o blog.

O colégio foi inaugurado em 1972, quando o general gaúcho Médici (1905-85) ocupava a Presidência da República, sem ter recebido um só voto popular. Seu governo (1969-74) marcou o período de maior repressão e falta de liberdades na ditadura imposta em 64.

Do golpe que derrubou o presidente constitucional João Goulart até 1985, nos 21 anos em que ditadores ocuparam o Palácio do Planalto, ao menos 400 oposicionistas foram mortos por agentes públicos. Boa parte havia sido presa com vida, estava sob custódia do Estado e foi torturada até a morte.  Mais de 130 cidadãos tiveram os corpos desaparecidos para sempre, sem que as famílias pudessem lhes oferecer um enterro digno. Nem mesmo a legislação da ditadura autorizava tortura e execução de seres humanos.

O guerrilheiro baiano Carlos Marighella (1911-69) foi declarado pela ditadura, em novembro de 1968, “inimigo público número 1”. Militante comunista na maior parte da vida, ele se incorporou em 67 à luta armada contra o regime. Fundou a maior organização guerrilheira de combate à ditadura, a Ação Libertadora Nacional, ALN.

Foi assassinado em 1969, no governo Médici, por ao menos 29 membros da polícia política armados até os dentes. Desarmado, Marighella não portava nem um canivete. Em decisões de 1996 e 2011, a União reconheceu que o “inimigo” poderia ter sido preso vivo, assumiu a responsabilidade por seu homicídio e pediu perdão à sua família.

O outro candidato da eleição, o geógrafo baiano Milton Santos (1926-2001), foi um dos pensadores brasileiros mais brilhantes do século XX. Perseguido pela ditadura, foi obrigado a passar mais de uma década no exílio, inclusive durante a administração do general Médici.

Milton Santos e Carlos Marighella eram afrodescendentes. Médici era branco.

O pleito foi coordenado pelo colegiado da escola, composto por professores, funcionários, estudantes e pais de alunos _segmentos que tiveram direito a voto. Ninguém propôs manter na cédula o nome atual _insatisfeitos com as opções votaram branco e nulo. O colégio Médici é de ensino médio e profissionalizante.

Continuam a existir no Brasil centenas ou milhares de sítios públicos batizados em homenagem a próceres e símbolos da ditadura. Seria como eternizar na Alemanha reverências do tempo do nazismo ou, na Argentina, da ditadura 1976-83. Mas não existe escola berlinense Adolf Hitler ou praça portenha Jorge Rafael Videla, o ditador que principiou o ciclo genocida. Tiranos e açougueiros do passado não devem servir de exemplo aos jovens.

É esse o caminho apontado no colégio Médici, futuro colégio Marighella.

Como assinalou a diretora Aldair, na origem da escolha pela mudança de nome esteve uma exposição dos alunos, derivada de “um trabalho espetacular da professora Maria Carmen”. Chamaram-na “A vida em preto e branco: Carlos Marighella e a ditadura militar”.

Um vídeo com a socióloga e professora Carmen apresentando a exposição : 





Testemunho pessoal

Sou autor da biografia “Marighella – O guerrilheiro que incendiou o mundo” (Companhia das Letras). Um exemplar aparece no vídeo, entre os objetos expostos no _ainda_ colégio Médici. A professora Carmem disse, comovendo-me: “Seu livro foi uma base e uma inspiração para esse trabalho”.

Como sabe quem leu a biografia, não produzi nem uma hagiografia, promovendo os feitos do protagonista, nem um libelo contra ele. Escrevi uma reportagem, contando o que Marighella fez, disse e, na medida do possível, pensou. Não o julgo ou trato como herói ou bandido _empenho-me em fornecer informações para cada leitor formar seu próprio juízo.

Mas, como dizia João Saldanha, grande amigo de Marighella, eu não sou filho de chocadeira _tenho opinião. A ditadura foi um mal, e seus crimes devem ser narrados, bem como os criminosos, punidos. A história não deve apagar personagens, como a ditadura e suas viúvas tentaram fazer com Marighella, ou como os artistas de Stálin faziam eliminando das fotografias as pessoas caídas em desgraça.

A professora Carmem e seus alunos orgulham o Brasil. Assim como é legítimo haver escolas com o nome de Carlos Lacerda (1914-77), líder de direita de gigantesco talento, é legítimo reverenciar um dirigente de esquerda como Carlos Marighella.

Ilegítimo é bajular em prédio público a memória de ditador, perenizando o elogio das trevas.


Tomara que o governo Jacques Wagner não barre a decisão democrática e soberana da comunidade que decidiu pela civilização, contra a barbárie.

terça-feira, 10 de dezembro de 2013

OCUPAR A MEMÓRIA PARA NÃO ESQUECER A NOSSA HISTÓRIA!




No próximo dia 13 de dezembro, completam-se 45 anos da edição do Ato Institucional nº 5, o mais severo decreto emitido pela ditadura civil-militar brasileira, responsável pela suspensão de várias garantias constitucionais.
Neste dia, nós, Coletivo Memória, Verdade e Justiça, vamos lembrar deste acontecimento, e também celebrar o direito à memória, verdade e justiça. Queremos convidá-lo, portanto, a estar presente no ato de lançamento daCampanha pela transformação do prédio do ex-DOPS/RJ em Espaço de Memória da Resistência, que ocorrerá no Centro Cultural da Justiça Federal, Av. Rio Braco, 241, Centro, às 10hs.
Na ocasião, ex-presos políticos entregarão representações ao Procurador da República no Rio de Janeiro Antonio Cabral.

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Preso foi torturado em hospital, diz família

Dops interrogou Raul Ferreira no Hospital do Exército em 1971, um dia antes de sua morte
ITALO NOGUEIRADO RIO

A morte do engenheiro Raul Amaro Nin Ferreira, vítima de sessões de tortura em dependências das Forças Armadas durante a ditadura militar, teve um último capítulo dentro do Hospital Central do Exército (HCE), no Rio.
Documento localizado pela família no Arquivo Público do Rio indica que ele foi interrogado na unidade de saúde um dia antes de morrer.
O papel faz parte de uma pesquisa feita por dois sobrinhos do engenheiro, morto em agosto de 1971, e pelo Grupo Tortura Nunca Mais de São Paulo. Na análise da família, Raul foi submetido a torturas no hospital. O relato de agressões no HCE foi considerado inédito pela Comissão Estadual da Verdade do Rio.
O levantamento do arquiteto Felipe Nin, 27, e do advogado Raul Nin, 31, com apoio de Marcelo Zelic, do Tortura Nunca Mais, reuniu mais 300 páginas de documentos públicos que detalham os 12 dias em que o engenheiro ficou sob poder dos órgãos de repressão da ditadura.
Logo após sua morte, Raul Ferreira foi apontado pelo SNI (Serviço Nacional de Informações) como membro do comando nacional do MR-8, grupo que participou da luta armada contra a ditadura. A família diz que ele apenas fazia parte da rede de apoio do grupo, guardando materiais e financiando algumas ações.
A morte em decorrência da tortura já havia sido confirmada pela Justiça em 1994, em processo movido pela mãe de Raul. Relato de um ex-soldado confirmou as agressões nas dependências do DOI-Codi, mas havia pouca informação sobre os dias do engenheiro no hospital.
O principal documento encontrado pela família é um ofício do Comando do 1º Exército, à época sob responsabilidade do general Sylvio Frota, à direção do HCE, solicitando autorização para a entrada de dois agentes do Dops (Eduardo Rodrigues e Jeovah Silva) para interrogar Raul no dia 11 de agosto.
O engenheiro completava naquele dia uma semana de internação após tortura no DOI-Codi. Foi declarado morto no dia seguinte. A família achou o prontuário de entrada de Raul no hospital, em 4 de agosto, que detalha as lesões. Laudo feito por médico da família logo após a morte indica mais lesões que as descritas na entrada no HCE.
"Há indícios fortíssimos de que ele foi torturado dentro do hospital", disse Raul Nin.
Outro indício apontado pela família é relatório do SNI, de 11 de agosto, que faz referência a um interrogatório. Nele, Raul nega ser o dono do material encontrado em sua casa (mimeógrafo, rádios comunicadores, panfletos). O relato termina assim: "Não houve tempo para inquiri-lo sobre todo o material encontrado em seu poder" --outro indício de que o engenheiro foi torturado no depoimento.
O relatório aponta 17 pessoas envolvidas na prisão, interrogatório, tortura e morte do engenheiro. A Comissão Estadual da Verdade buscará mais informações no HCE.

Governo reconhece índio como perseguido político e concede indenização de R$ 61 mil

Tiuré, preso e torturado nos anos 70 e 80, é o primeiro indígena que obteve a condição de anistiado no país

Do Globo, 3.12.13

Nascimento, primeiro indígena anistiado da ditadura André Coelho /BRASÍLIA - O índio potiguar José Humberto Costa Nascimento, conhecido como Tiuré, é o primeiro indígena que obteve a condição de anistiado político, concedida pelo governo brasileiro. Tiuré foi monitorado, preso, torturado nos anos 70 e 80 e pediu asilo no Canadá, onde viveu durante 25 anos, entre 1985 e 2010. No final de novembro, a Comissão de Anistia reconheceu a perseguição do Estado ao indígena e, além do pedido oficial de desculpas, concedeu-lhe uma indenização, em prestação única, no valor de R$ 61 mil.



Filho de índios, Tiuré não nasceu numa aldeia, mas na cidade, no Rio Grande do Norte, e ingressou na Funai nos anos 70, onde trabalhou no Departamento de Patrimônio Indígena. Inconformado com a forma como os militares tratavam os indígenas, decidiu abandonar a fundação e seguir para a Amazônia, para defender os interesses desses povos.

- Os militares tinham o interesse no extermínios dos povos indígenas. Vários documentos que passaram pela minha mão demonstravam que esse era o objetivo - disse Tiuré na segunda-feira.
Ao lado do povo paracatejê, no sul do Pará, mobilizou os índios contra a exploração dos donos dos castanhais. Os indígenas eram explorados por esses fazendeiros, num sistema análogo à escravidão. Tiuré coordenou outras ações, como impedimento de construção de estradas nas áreas indígenas e até o sequestro de uma equipe de engenheiros, soltos algum tempo depois. Na região da Guerrilha do Araguaia, o anistiado conviveu com os índios suruí, que mantiveram contato com os guerrilheiros e que também foram usados pelos militares.
Visado pelos militares e identificado como um agitador e terrorista, Tiuré deixou a região, por recomendação dos índios, e foi para João Pessoa (PB). Bem no início dos anos 1980, ele foi preso pela Polícia Federal, ficou horas em poder dos agentes, e contou que sofreu torturas.
- Não foi fácil, cheguei a desmaiar. Mas senti que não queriam me matar. Me levaram para um terreno baldio, me espancaram e me chamavam de agitador o tempo inteiro - afirmou o indígena.
A casa onde morava chegou a ser incendiada. Como as ameaças não cessavam, Tiuré decidiu pedir asilo ao governo do Canadá, em 1985. O seu processo para ser reconhecido como refugiado pelo Alto Comissariado da ONU levou seis anos. Nesse período, no Canadá, ele disse que vivia uma "meia prisão domiciliar".
- Era um lugar para refugiados, sem muitas condições. Eu não podia estudar nem trabalhar na minha condição. Testemunhei suicídios. Depois, com o status de refugiado, a coisa mudou. Estudei numa universidade indígena, dei palestras e a vida melhorou.
'Pouco ou nada se fala sobre a relação entre a ditadura e os índios'
Tiuré decidiu voltar ao Brasil após a vitória de Dilma Rousseff para a presidência da República.
- Entendi a vitória dela como um chamado para voltarmos ao país. Mas seu governo decepcionou na política indigenista e há muito o que fazer.
Tiuré acredita o fato de ser o primeiro indígena anistiado irá provocar um debate sobre esse assunto no país.
- Pouco ou nada se fala sobre a relação entre a ditadura e os índios. Que essa decisão se estenda a centenas de outros que também foram vítimas de muitas violações.
No primeiro semestre deste ano, a Comissão de Anistia começou a julgar o processo de Tiuré, mas a documentação estava incompleta. A comissão queria provas de que, mesmo não tendo nascido numa aldeia, Tiuré poderia ser considerado um indígena. Um laudo antropológico desfez a dúvida, a favor do índio. Ele chegou a ameçar greve de fome se sua condição de anistiado não fosse aprovada.