terça-feira, 5 de fevereiro de 2013
Nota sobre a Violência em São Paulo
Na contramão do fortalecimento das lutas populares por memória, verdade e
justiça, uma triste realidade invade o cotidiano dos brasileiros: ainda se
mata em nome da segurança. Conforme a pesquisadora norte-americana Kathrin
Sikking, o número de vítimas fatais da violência de Estado em nossa
democracia é ainda maior do que em toda a época da ditadura civil militar brasileira.
Segundo os estudos desta pesquisadora, as sociedades que não adotaram
medidas que se referem à Justiça de Transição possuem um padrão de
violência atual maior do que as que adotaram. Na esteira da impunidade dos
agentes públicos que cometeram crimes no passado, seguem incólumes os
criminosos de hoje, que vitimizam especialmente o povo pobre de favelas e
periferias, enquadrados no esteriótipo de “inimigo social”. Na pauta do
dia, nada expressa com maior clareza o absurdo desta realidade do que o
caso de São Paulo.
Até novembro de 2012 a Polícia Militar de São Paulo já havia assassinado
506 civis em confrontos classificados como “resistência seguida de morte”,
superando as 495 mortes ocorridas durante todo o ano de 2006, quando houve
uma série de confrontos com o chamado Primeiro Comando da Capital (PCC). Em
entrevista sobre o tema, se defendendo de uma suposta “campanha contra São
Paulo”, o então governador Geraldo Alckimin alertou que era preciso tomar
cuidado para não “gerar pânico na população”. Já em 2013, afirmou que o
aumento deste índice era “momentâneo” e “transitório”, “uma fase de
enfrentamento do tráfico de drogas e armas”.
O conjunto destas declarações, que deram um tom de normalidade ao
assassinato de centenas de civis pela ação de policiais em exercício,
reforçou uma serie de ideias que são próprias de um regime de exceção: a
violência é necessária, é transitória e se justifica na proteção de toda a
sociedade. A omissão da verdade à população, a completa ausência de
apuração dos abusos e de responsabilização dos agentes públicos envolvidos
buscam legitimar posturas que deveriam ser combatidas pelo Poder Público e
abrem o caminho para a repetição de erros históricos.
Seguindo o *script *dos crimes do Estado, a culpa recai sobre as próprias
vítimas, sejam elas “terroristas”, “comunistas” ou “criminosos”. “Quem não
reagiu está vivo”, afirmou Alckimin quando questionado sobre uma ação das
Rondas Ostensivas Tobias Aguiar (ROTA), em setembro de 2012, que resultou
no assassinato de nove supostos bandidos. “A ação da polícia é exatamente
igual à dos bandidos, se eles são violentos respondemos da mesma forma”,
declarou o ex-comandante da ROTA, coronel Paulo Telhada. A opinião pública
é trabalhada para aceitar a violência.
Em vias de completar 25 anos de democracia, é preciso que o Brasil rompa
com o entulho autoritário que continua impregnando as instituições oficiais
do Estado com violência e impunidade. Uma impunidade arquitetada na
ditadura, que passa por uma Lei de Anistia que segue acobertando agentes
públicos que cometeram crimes de lesa-humanidade nos anos de repressão. Uma
impunidade fortalecida em complexos esquemas ocultação da verdade e de
manutenção vantajosa de privilégios para seus agentes e estruturas. Uma
impunidade que dá respaldo às chacinas policiais que se tornaram rotinas em
São Paulo e nos quatro cantos do nosso país.
A violência policial de hoje é fruto de uma cultura política autoritária
e, no estágio atual da democracia brasileira, não deveria haver espaços
para estas concepções e ações militarizadas. A reforma das instituições de
segurança do Estado deve ser enfrentada com base em políticas educativas de
memória, verdade e justiça, pautadas numa profunda reflexão para a
implementação de políticas de respeito aos Direitos Humanos.
As entidades que integram o movimento nacional pela Memória, Verdade e
Justiça, subscritas abaixo, manifestam sua profunda indignação e o mais
veemente protesto contra a política de segurança do governo do estado de
São Paulo, pelo seu caráter que remete aos modelos fascistas, já condenados
pela história da humanidade e em rota de colisão com a democracia que o
povo brasileiro vem construindo.
Comitê Carlos de Ré – da Verdade e da Justiça / RS
Fórum Direito à Memória e à Verdade / ES
Coletivo RJ Memória, Verdade e Justiça / RJ
Comissão da Verdade de Bauru Irmãos Petit / SP
Comitê Goiano da Verdade, Memória e Justiça / GO
Comitê Pela Verdade, Memória e Justiça: Pelotas e Região
Comite Paulista pela Memoria, Verdade e Justiça / SP
Movimento Tortura Nunca mais de Pernambuco / PE
Brasil, 22 de janeiro de 2013.
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