segunda-feira, 20 de maio de 2013


Em março de 2013 o Coletivo RJ foi convidado para participar de uma metodologia de monitoramento da Comissão Nacional da Verdade através de um questionário de coleta de percepções de grupos da sociedade civil. O questionario foi feito através de uma discussão coletiva durante varias reuniões do Coletivo RJ. Achamos que esta oportunidade para debater certas questões sobre a CNV foi muito interessante e gostaríamos aqui apresentar as nossas respostas. Aqui são apresentados as nossas opiniões, preocupações, perspetivas sobre: 

Expectativas de uma comissão da verdade
Objetivos e Possibilidades da atual CNV
Avaliação da CNV até o momento
Desafios da CNV
A nossa atuação e participação nesse campo
Transparência e ferramentas de participação da CNV
As audiencias públicas
Metodologia da CNV
Recolhimento de depoimentos
Desafios para a efetiva execução das atividades 

As expectativas sobre uma comissão da verdade


Muitas das organizações que compõe o Coletivo RJ atuam no campo da Memória, Verdade e Justiça há muitos anos. Contudo, o Coletivo RJ passou a realizar as suas reuniões em junho de 2011, ou seja, poucos meses antes da publicação da Lei 12.528/11, que institui a Comissão Nacional da Verdade (CNV), em novembro do mesmo ano. Deste modo, em junho de 2011, embora não houvesse a publicação da referida Lei, a sociedade já debatia mais concretamente o advento de uma Comissão da Verdade. Da mesma forma, havia naquele momento um debate público acerca do direito humano à memória e à verdade no que tange às violações de direitos humanos ocorridas durante o regime militar (1964-1985), o que se dava não somente pelas discussões em torno da institucionalização da CNV, mas também pela então recente sentença do Caso Gomes Lund e outros versus Brasil (Caso Araguaia) na Corte Interamericana de Direitos Humanos e pelo julgamento da ADPF 153 no Supremo Tribunal Federal. Em outros tempos, a chegada de uma Comissão da Verdade em obediência aos parâmetros internacionais de Justiça Transicional e mais abrangente que os trabalhos feitos pela Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos e pela Comissão de Anistia, era uma realidade distante e muitas vezes desacreditada.


Entre junho de 2011 e maio de 2012, quando de fato de deu a nomeação dos membros da CNV, o Coletivo RJ alimentava a expectativa de que a Comissão da Verdade fosse um espaço de debate democrático acerca da memória do país, garantida assim a participação da sociedade, a transparência do processo e fomento de um ampliado debate sobre a busca pela memória e construção da verdade; capaz de fazer um profundo trabalho investigativo sobre o período da ditadura militar, alcançando enfim os documentos em posse dos órgãos militares, em posse dos perpetradores e estabelecendo linhas investigativas que contextualizassem as mais variadas violações cometidas pela ditadura brasileira; levantasse os fatos e nomeasse os mandantes e executores das violações; fosse capaz de subsidiar a Justiça; tivesse um posicionamento firme em seu relatório final, concluindo um dos processos característicos da Justiça Transicional, com o fim de alcançar a não-repetição das violações de direitos humanos, a reparação integral das vítimas, a democratização das instituições, a memória histórica e a Justiça, mediante processos judiciais.

Concluindo, naquele momento o Coletivo RJ esperava que a CNV e seus comissionados fossem atores estatais capazes de afirmar publicamente que o período entre 64 e 85 caracterizou-se por um Estado golpista que violava dos direitos humanos, aliado aos interesses empresariais e que, em razão da falta de uma transição política e social democrática, esse Estado ainda está presente atualmente em suas mais diversas formas.


Os principais objetivos e possibilidades de resultados da Comissão Nacional da Verdade


O Coletivo RJ discorda da forma como os comissionados estão levando adiante os trabalhos da Comissão Nacional da Verdade e, ao mesmo tempo, entende que a atual Comissão encontra dificuldades práticas em sua atuação. O diagnóstico deste cenário reflete diretamente no nosso posicionamento com relação aos principais objetivos e possibilidades de resultado que esta Comissão ainda pode ter.

Diante do panorama atual, o Coletivo RJ acredita que a CNV deva, principalmente, se concentrar em fortalecer o debate público e mais ampliado possível sobre as violações de direitos humanos e o contexto histórico que remonta à ditadura militar brasileira. Nesse espírito, a Comissão deveria privilegiar a participação da sociedade e dar publicidade aos depoimentos e documentos coletados.

Esta expectativa se contrapõe ao que atualmente se observa na Comissão Nacional. Nela, vemos que os comissionados tem adotado uma postura que compreende o seu trabalho da mesma forma como um pesquisador enxerga o seu produto, abdicando assim do privilegiado espaço político do qual a memória do país dispõe neste momento para ser debatida. Este comportamento não reflete somente a timidez de atuação política da atual CNV, mas também reverbera a equivocada compreensão dos comissionados no tocante à construção e busca da verdade. Infelizmente, a atual Comissão caminha para a consolidação de um entendimento no qual a função de uma Comissão da Verdade é somente encontrar e inscrever na história do país uma verdade inconteste mediante um relatório conclusivo, eximindo-se, assim, de levantar publicamente controvérsias e possibilidades ao longo da sua atuação.


Do ponto de vista do Coletivo RJ, a construção da verdade se dá justamente através de um processo em que versões possam ser contrapostas e que a sociedade possa se apropriar e alavancar a discussão posta. Ao contrário do que vimos observando, portanto, a verdade a qual busca a atual CNV deveria se afirmar mediante um processo, e não somente um relatório final.

Cumpre destacar ainda que, segundo nossa compreensão, a notada timidez dos atuais comissionados está intimamente relacionada à inafastável presença dos fantasmas da ditadura no contexto político e social brasileiro. Não é preciso dizer que o papel das instituições democráticas num momento de transição histórica é justamente o de ofertar autonomia e poder à Comissão da Verdade, compreendendo que o enfrentamento, situações de instabilidade política, mudanças institucionais, críticas etc. fazem parte e são características do processo de Justiça Transicional, o qual exige a participação de personagens comprometidos, corajosos e independentes.

Mais objetivamente, o Coletivo RJ acredita numa maior divulgação dos depoimentos, aproveitando os mesmos para a promoção do debate na sociedade e valendo-se dos espaços de detenção, tortura etc. para a realização das audiências públicas da CNV. Desta forma, o Coletivo RJ entende que a atual Comissão ainda possa cumprir com uma parte do seu papel dentro do processo de transição democrática.


Avaliação da CNV até agora 

As respostas anteriores mostram que a avaliação do Coletivo RJ é, de maneira geral, negativa. Na visão do grupo, embora a existência da Comissão seja em si positiva, já que por si só ela fomenta uma maior discussão social do que a que havia quando a CNV não existia, isso é muito pouco diante das possibilidades de atuação de uma Comissão da Verdade, a exemplo do que foram outras comissões na América Latina e no mundo.

O Coletivo RJ destaca positivamente os ofícios que a Comissão Nacional encaminhou ao governador do estado do Rio de Janeiro a respeito dos espaços de memória locais e algumas poucas ações pontuais em território nacional.

Contudo, fazemos uma avaliação negativa para a dimensão reparatória para aqueles que sofreram diretamente com a violência de Estado; a inexistência de reuniões e testemunhos públicos e de depoimentos nos locais de tortura e detenção; a falta de transparência do material produzido até então, como dos depoimentos individuais, das informações de cada um dos GTs e da CNV como um todo mediante relatórios parciais de trabalho – o que impossibilita uma avaliação do conteúdo do trabalho até então realizado; a ausência de alguns comissionados; o insucesso na busca de documentos; a falta de conexão entre as violações do passado e do presente; a restrição do debate aos grupos que historicamente já refletem acerca da memória da ditadura militar e da construção da verdade acerca deste período. Com relação a este último ponto, vemos que a Comissão se apropria de discussões levadas adiante por outras comissões e ações realizadas por grupos, movimentos e instituições para afirmar que está travando o debate sobre a memória histórica, ao invés de a própria CNV constituir estes espaços por iniciativa própria.


Os principais desafios que a CNV teria que enfrentar para alcançar estes objetivos esperados

Conforme explicitamos anteriormente, num momento de transição histórica, onde se vislumbra superar um cenário de sistemáticas violações de direitos humanos, não cabe a uma instituição que preenche um importante papel dentro do que convencionou chamar de mecanismos de Justiça Transicional, se esquivar de fazer o enfrentamento ideológico, gerar situações de instabilidade política, provocar possíveis mudanças institucionais, levantar críticas etc. Situações que, da perspectiva de boa parte da sociedade, poderiam ser indesejadas em prol de uma suposta maior estabilidade política, econômica e social. Contudo, ao observar os processos de transição mais bem sucedidos percebemos que é desta forma que irá se fortalecer e consolidar não somente a democracia, mas também o respeito aos direitos humanos.

Portanto, o principal desafio que os comissionados da CNV terão que enfrentar para alcançar os objetivos esperados é o seu próprio silenciamento e a equivocada tentativa de preservar a estabilidade ao não dar publicidade ao que está sendo feito.

Atuação e mobilização de nosso grupo para acompanhar os trabalhos da CNV

Conforme explicitamos anteriormente, num momento de transição histórica, onde se vislumbra superar um cenário de sistemáticas violações de direitos humanos, não cabe a uma instituição que preenche um importante papel dentro do que convencionou chamar de mecanismos de Justiça Transicional, se esquivar de fazer o enfrentamento ideológico, gerar situações de instabilidade política, provocar possíveis mudanças institucionais, levantar críticas etc. Situações que, da perspectiva de boa parte da sociedade, poderiam ser indesejadas em prol de uma suposta maior estabilidade política, econômica e social. Contudo, ao observar os processos de transição mais bem sucedidos percebemos que é desta forma que irá se fortalecer e consolidar não somente a democracia, mas também o respeito aos direitos humanos.

Portanto, o principal desafio que os comissionados da CNV terão que enfrentar para alcançar os objetivos esperados é o seu próprio silenciamento e a equivocada tentativa de preservar a estabilidade ao não dar publicidade ao que está sendo feito.
O Coletivo RJ se reúne semanalmente desde junho de 2011, num espaço aberto que privilegia a discussão sobre o tema da Memória, Verdade e Justiça; a atuação e articulação política de pessoas e entidades neste propósito; a elaboração de notas públicas em questões sensíveis à temática; a oitiva e registro de testemunhos para acúmulo do próprio grupo; o fomento do debate na sociedade.

Dentro deste trabalho, se insere o acompanhamento de comissões como a Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos, Comissão de Anistia, Comissão Nacional da Verdade,
Comissão Especial de Reparação de Ex-presos Políticos do Estado do Rio de Janeiro e, por fim, as recém-criadas Comissão Estadual da Verdade do Rio de Janeiro e a Comissão da Verdade do Município de Niterói.

Podemos dizer que a CNV é a que desperta as maiores expectativas, embora não seja a que mais ofereça resultados. Desde a nomeação dos comissionados da CNV o Coletivo RJ possui algum acesso às comissionadas Rosa Cardoso e Maria Rita Kehl, com quem é possível se atualizar minimamente a respeito de ações pontuais da Comissão. Contudo, a grande fonte de informações sobre o trabalho dos comissionados é a imprensa e não um canal direto com a CNV.

Como o nosso grupo julga que tem sido o processo de formação e início de trabalho da CNV, em termos de abertura/fechamento para a participação da sociedade civil

Não houve participação no início do processo, a partir da demanda do grupo foi feita uma reunião em junho de 2010. Acreditamos que a transparência e a participação da sociedade são fundamentais para a concepção da verdade como parte de um processo que envolve o conjunto da sociedade, e isso não fez parte do processo de formação e início dos trabalhos da CNV.

Como nos temos acompanhado as atividades da CNV e como nos temos particpado nos trabalhos da CNV 

O Coletivo RJ Memória, Verdade e Justiça é um espaço do qual participam diferentes entidades, movimentos e pessoas. Portanto, o acompanhamento das atividades da CNV é feito pelos diversos grupos que compõe o coletivo-rj, onde as questões relativas à comissão nacional são debatidas. Ao longo deste um ano de atividades da CNV, temos participado de audiências, reuniões, atos públicos, fazendo demandas a CNV, além de apoiar, divulgar e nos posicionar sobre ações da sociedade civil em relação ao tema da memória verdade e justiça em nosso país. Entre estas nossas participações destacamos: nossa presença nas audiências públicas, a realização da coleta depoimentos focados nos espaços de tortura e repressão, o ato na casa da morte de Petrópolis e o ato do dia internacional da verdade realizado na praça São Salvador, o apoio a intervenção “Lembrar é Re Existir”, além da divulgação de notas que expressam a posição do coletivo e da demanda apresentada a CNV para a realização de depoimentos nos principais centros de tortura e repressão, como o DOI-CODI, DOPS e etc.

A nossa avaliação das Audiencias Públicas

Estivemos presentes nas seguintes audiências: 
  •  Primeira Reunião aberta da CNV em Brasília. 
  • A realizada na OAB-RJ nos dias 13 e 14 de agosto de 2012. 
  • A realizada sobre o caso da Panair, em 23 de março de 2013.
A impressão que tivemos é que nas audiências os comissionados mais ouviram do que se manifestaram esclarecendo suas posições. Tiveram boa receptividade para ouvir críticas e demandas, mas com pouco ou nenhum retorno sobre os temas levantados. Também foi observado que a comissão não possui uma posição integrada entre seus componentes o que associado à falta de transparência e informação sobre o andamento dos trabalhos, faz com que as audiências tenham contribuído menos do que poderiam e tendo resultados frouxos.

Como avaliamos a receptividade da CNV a demandas sociais, criticas e sugestões 

A CNV tem procurado demonstrar receptividade para receber críticas e sugestões em seu contato com a sociedade, como na participação das audiências, atos públicos ou mesmo através das redes sociais, site e etc. Porém, esta postura não tem se refletido no andamento do trabalho nem no retorno para a sociedade das demandas apresentadas. Como dissemos anteriormente, o planejamento de suas atividades, bem como o conteúdo do que vem sendo produzido é pouquíssimo divulgado. Não há uma agenda clara de suas atividades e nem a metodologia que estaria sendo utilizada é publicizada ou amplamente discutida com as entidades organizadas.

O próprio Paulo Sérgio Pinheiro, quando pressionado a apresentar resultados parcias, defendeu a trabalho feito sob sigilo e a apresentação do conteúdo do trabalho da CNV somente no relatório final. O que demonstra na realidade, a pouca receptividade da comissão a participação da sociedade.

Avaliação da Metodologia 

O coletivo-rj entende que não há uma metodologia de trabalho clara e de amplo conhecimento. As críticas relatadas quanto à transparência e à falta de informação contribuem para uma má avaliação da metodologia utilizada até então.
Uma vez que consideramos que uma das prioridades da CNV deveria ser justamente o processo político pedagógico com relação à memória e à verdade sobre as graves violações de direitos humanos cometidas pela Estado, a questão da metodologia poderia ser abordada de uma forma muito mais interessante e participativa e que valorizasse portanto este processo.

Avaliação do recolhimento de depoimentos

Apesar da crítica que fazemos com relação à falta de articulação observada entre os depoimentos colhidos pela CNV, o coletivo-rj tem buscado realizar uma crítica produtiva. Realizamos uma série de depoimentos com ex-presos políticos articulados a partir dos centros de tortura e repressão política a que estiveram presos na época. Também encaminhamos ofício a CNV pedindo a realização de depoimentos simbólicos nestes locais identificados, assim como apoiamos iniciativas como as da Clínica do Testemunho.

Acreditamos que a metodologia de trabalho da CNV deveria estar aberta a coleta de testemunhos voluntários daqueles querem contribuir para a formação desta memória e não somente se atentar aos depoimentos dos convocados. A ampla transparência e publicização dos trabalhos da CNV e especial dos depoimentos de civis e militares são essências para a construção da memória, da verdade e da justiça.

Os desafios que idetificamos para a efetiva execução das atividades da CNV

Acreditamos que o primeiro desafio e compromisso da CNV deveria ser avançar mais que as comissões de familiares e da anistia avançaram até agora quanto ao desvendamento das graves violações de direitos humanos cometidos no período da ditadura civil-militar. Neste sentido, a convocação dos militares envolvidos para depoimento e a abertura de todos os arquivos considerados sigilosos, em poder do Estado e principalmente das forças armadas, é para nós uma prioridade.

Temos que reconhecer que a CNV teve o mérito de recolocar a questão da memória, verdade e justiça de volta à pauta política do país. Porém, esperamos que toda a expectativa que temos por verdade, memória e justiça não fique restrita somente a um relatório final e que ela ao menos deixe sementes para que tenhamos uma política pública permanente voltada a esta questão.

Infelizmente, a atual Comissão caminha para a consolidação de um entendimento no qual a função de uma Comissão da Verdade é somente encontrar e inscrever na história do país uma verdade inconteste mediante um relatório conclusivo, eximindo-se, assim, de levantar publicamente controvérsias e possibilidades ao longo da sua atuação.

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