quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Para Escrever uma Verdadeira História

Por: Rosário Amaral
Jornalista

 “É possível ouvir o testemunho do terror? É possível reparar o dano causado pelo terror? É possível agrupar as pessoas em torno destas interrogações, sem ceder ao medo e à negação?”Questões como essas acima soam como provocações que nos levam refletir, conforme aconteceu no III Seminário de Intercâmbio de Experiências Latino-Americanas em Saúde Mental e Direitos Humanos, realizado no dia 12 de janeiro, no Instituto Municipal Philippe Pinel , que tomou como tema central: "Clínica Política: Potência Grupal e Clínica do Testemunho”.
 

Buscando dar continuidade ao intercâmbio de experiências sobre a atenção aos afetados pela violência de Estado, iniciada em 2010, no Rio de Janeiro e em Buenos Aires, foram discutidos temas relacionados à construção da memória, da verdade e da justiça. Como produzir avanços no campo dos direitos humanos a partir do funcionamento da Comissão Nacional da Verdade em nosso país? Como criar condições de atenção clínica e jurídica às testemunhas que irão dar seus depoimentos na Comissão? Há uma relação entre os crimes de lesa humanidade cometidos no passado e na atualidade? O que podemos aprender com a experiência argentina que colocou os torturadores nos bancos dos réus e que nos instiga a buscar um desfecho similar aqui no Brasil? 
 

Ao abrir as atividades Vera Vital Brasil, membro da Equipe Clínico Política e membro colaborador da Escola de Saúde Mental do Rio de Janeiro, instâncias responsáveis pela organização do evento, justificou a ausência de alguns convidados e convidou o Coordenador do Projeto “Direito à Memória e à Verdade” da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, Gilney Viana, ex preso político, para se pronunciar. Este discorreu sobre o compromisso da Secretaria de DH com a construção da Memória e da Verdade, com as políticas de reparação, e a importância histórica da Comissão Nacional da Verdade, que deverá ser instalada em breve.
 

O Seminário colocou em foco a necessidade de construir grupos, equipes profissionais, fortalecer os coletivos, criar corrente para esclarecer o que ocorreu na ditadura civil militar que matou, violentou, seqüestrou brasileiros e latino-americanos, construindo a memória dos que lutaram contra ela - até então invisibilizada na história oficial -, e contribuindo para o fortalecimento da democracia com respeito aos direitos humanos em todas as suas dimensões: econômica, política e social.

O psicanalista argentino Osvaldo Saidon, em nome da psicóloga Fabiana Rousseaux, diretora do Centro Fernando Ulloa da Secretaria de Direitos Humanos da Argentina, que não pode estar presente, discorreu sobre o trabalho de acompanhamento de testemunhas que vem sendo desenvolvido por aquela Secretaria de Estado nos julgamentos de responsáveis pela tortura e extermínio na Argentina. Este tema foi coordenado por Fernando Ramos, coordenador da Escola de Saúde Mental e teve como debatedores vários membros do Coletivo RJ Memória Verdade e Justiça: Colombo Vieira, ex-preso político, membro da Rede Democrática, que, dentre várias considerações críticas acerca da Comissão Nacional da Verdade, deu seu depoimento sobre as dificuldades enfrentadas logo após o longo período de prisão para a reinserção social de sua família; Fabio Cascardo, advogado, e Tiago Regis, psicólogo, trouxeram sua rica experiência em uma equipe multidisciplinar de atenção aos afetados pela violência de Estado nos dias atuais, e Vera Vital Brasil, da Equipe Clínico Política, apontou a importância da criação de suporte clínico às testemunhas que venham a depor junto a Comissão Nacional da Verdade, para além da necessária abertura total dos arquivos da ditadura.

Na apresentação do livro “Potência Grupal", que reúne textos sobre o tema dos grupos, publicação organizada por Osvaldo Saidon com a participação de Eduardo Losicer, um dos autores, abriu-se o debate sobre os “Dispositivos Grupais e a Clínica Política". Marta Zappa, coordenadora da residência em Saúde Mental, coordenou este debate que teve comentários de Eduardo Losicer, da Equipe Clínico Política, Marco Aurélio Jorge, psicanalista e professor da Fiocruz e Julian Boal, que discorreu sobre a história da construção inovadora de trabalho grupal do Centro do Teatro do Oprimido.
 

O debate do público participante foi fértil e se estendeu até às 22 horas. Vários apontaram casos de ex-presos políticos torturados que passaram pelo Instituto Pinel na época da ditadura, destacando o caráter punitivo desta medida, bem como a solidariedade de alguns profissionais que lá trabalhavam na ocasião.
 Destacou-se que é preciso potencializar as experiências, ainda difusas, para a construção da memória e da verdade, através da fala dos que sofreram a ação da violência e terror político do Estado brasileiro por mais de 20 anos. E de que é preciso construir caminhos para a justiça no país. 

Essas experiências e iniciativas têm ocorrido nas mais diferentes áreas da sociedade brasileira. A abordagem através do Direito, na busca da Justiça; na Cultura através das artes; na academia através da pesquisa, ou a exemplo da experiência inovadora dos psicólogos e psiquiatras da Equipe Clínica e Política que, através da escuta qualificada, tem contribuído para dar sentido à experiência dolorosa dos torturados e de seus familiares, dos que viveram na clandestinidade dentro e fora do país, dentre outros exemplos.

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