Vladimir Platonow
Repórter da Agência
Brasil
04/11/2013
Rio de Janeiro – O antigo prédio do
Departamento de Ordem Política e Social (Dops), que serviu de aparelho
repressor estatal em duas ditaduras, a de Getúlio Vargas e a do regime militar,
pode se transformar em um centro de memória dos movimentos sociais e políticos.
A iniciativa é da Comissão Estadual da Verdade do Rio (CEV-Rio), que hoje (4)
iniciou um seminário para debater o tema. Atualmente, o prédio está sob
responsabilidade da Polícia Civil, que pretende inaugurar ali o Museu da
Polícia.
O presidente da CEV-Rio, o advogado Wadih
Damous, participou de uma mesa de depoimentos de ex-presos políticos que foram
torturados nas dependências do antigo Dops. O evento foi organizado na calçada
em frente ao prédio, na esquina da Rua da Relação com a Rua dos Inválidos.
“Foi um ato para dar voz aqueles que aqui
estiveram presos em determinados períodos da repressão ditatorial, para poderem
relatar tudo aquilo que sofreram, todas as arbitrariedades, os espancamentos,
as torturas. Nós queremos transformar o prédio em um museu da resistência e da
repressão. Isso é um modelo que está sendo efetivado em diversos países,
inclusive da América Latina, onde ocorreram ditaduras”, disse Damous.
Uma das presas políticas que ficaram
confinadas no local é a farmacêutica Ana Miranda, que contou o que passou no
antigo prédio do Dops e também no quartel do Exército da Rua Barão de Mesquita,
na Tijuca, onde funcionava o extinto Destacamento de Operações de
Informações-Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi), responsável pela
maior parte dos atos de violência e tortura.
“Nós precisamos nos apropriar deste
espaço para que as próximas gerações possam entender e saber o que se passou,
para que a gente possa refletir e criar políticas públicas para que não se
repita o que aconteceu. É uma das formas de impedir que a violência policial
continue acontecendo, com desaparecimentos e mortes em confrontos”, disse.
Ana ficou presa durante a ditadura por
cerca de cinco anos, sendo nove meses no antigo Dops, em um local nos fundos do
prédio conhecido como depósito de presos: “Era um local de presos comuns e de
condenados pela Lei de Segurança [Nacional]. Em 1964, muita gente foi torturada
ali dentro. Mas a tortura sistemática ocorreu nesse prédio em todo o século
passado, sob a chefia de Filinto Müller, no Estado Novo, e depois até 1969”.
O gaúcho João Figueiró, de 88 anos,
também ficou preso no antigo prédio do Dops, porque na época ele militava no
Partido Comunista Brasileiro (PCB). Até hoje ele tem pesadelos com as torturas que
sofreu no local. “Eu me sinto mal [próximo ao prédio], pois me faz lembrar
quando a gente estava no pau de arara [em que o torturado é preso em um pedaço
de madeira, amarrado pelas mãos e pelos pés] e na cadeira do dragão [onde eram
aplicados choques elétricos]. Eu não posso ouvir um miado de gato de noite,
porque me faz lembrar as torturas dos companheiros e os gritos deles. É
horrível. Tenho pesadelos. Isso não passa nunca”, lembra.
Figueiró também foi preso político na
ditadura Vargas e ficou detido no antigo presídio da Ilha Grande, no sul do
estado, de 1943 a 1945. “As minhas unhas foram arrancadas duas vezes: na
ditadura do Vargas e na ditadura militar”, disse. Ele se aposentou como
auxiliar de administração escolar em um colégio na zona sul do Rio.
Procurada para se manifestar sobre o
desejo da CEV-Rio de transformar o prédio do antigo Dops em um memorial
político, a Polícia Civil informou, por meio de nota, que aceita ceder parte do
imóvel. “De acordo com o subchefe Administrativo, Sérgio Caldas, em reunião com
integrantes da Comissão da Verdade do Estado do Rio de Janeiro, há cerca de
seis meses, ficou acordado que parte do terceiro andar do Palácio da Polícia
será destinado à comissão”.
Edição: Fábio Massalli
http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2013-11-04/comissao-da-verdade-do-rio-quer-transformar-antigo-predio-do-dops-em-centro-de-memoria
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