Brasília, 30 de julho
de 2012.
À Comissão Nacional da Verdade
Nós, Comitês, Fóruns e Coletivos abaixo signatários,
reunidos em Brasília, entidades organizadas em diversos estados da Federação e
comprometidas com o direito à Memória, à Verdade e à Justiça, participamos do
“Encontro da Comissão Nacional da Verdade com Comitês Estaduais da Sociedade
Civil”.
Reunidos por ocasião deste Encontro, expusemos perante a
Comissão Nacional da Verdade as sugestões de trabalho, organizadas e reunidas
no presente documento.
I. DAS
ENTIDADES
Firmam o presente documento/manifesto:
- Associação dos Amigos do Memorial da Anistia Política do Brasil
- ATAMIG – Associação dos Trabalhadores Anistiados, Autônomos, Liberais, Aposentados e Pensionistas de Minas Gerais
- Centro de Direitos Humanos e Memória Popular de Foz do Iguaçu
- Coletivo Catarinense Memoria, Verdade e Justiça
- Coletivo RJ Memória, Verdade e Justiça
- Comissão da Verdade e do Memorial da Anistia OAB/MG
- Comitê Baiano pela Verdade, Memória e Justiça
- Comitê Estadual Pela Memória, Verdade e Justiça de Mato Grosso Sul
- Comitê Estadual pela Memória, Verdade e Justiça do Rio Grande do Norte
- Comitê Goiano da Verdade, Memória e Justiça
- Comitê Maranhense da Verdade
- Comitê Memória, Verdade e Justiça de Parnaíba/PI
- Comitê Memória, Verdade e Justiça de Pernambuco
- Comitê Paraense em Defesa da Comissão da Verdade
- Comitê Paulista pela Memória, Verdade e Justiça
- Comitê pela Verdade Memória e Justiça do Distrito Federal
- Comitê pela Verdade, Memória e Justiça de Campinas
- Comitê pela Verdade, Memória e Justiça de Pelotas e Região
- Comitê pela Verdade, Memória e Justiça do Piauí
- Comitê pelo Direito à Memória, à Verdade e à Justiça do Ceará
- Comitê Santamariense de Direito à Memória e à Verdade – Santa Maria/RS
- Fórum Direito à Memória e à Verdade do Estado do Espírito Santo
- Grupo Tortura Nunca Mais – PE – Núcleo de Memória
- Grupo Tortura Nunca Mais – SP
- Núcleo de Preservação da Memória Política
- Associação dos Amigos do Memorial da Anistia Política do Brasil
- ATAMIG – Associação dos Trabalhadores Anistiados, Autônomos, Liberais, Aposentados e Pensionistas de Minas Gerais
- Centro de Direitos Humanos e Memória Popular de Foz do Iguaçu
- Coletivo Catarinense Memoria, Verdade e Justiça
- Coletivo RJ Memória, Verdade e Justiça
- Comissão da Verdade e do Memorial da Anistia OAB/MG
- Comitê Baiano pela Verdade, Memória e Justiça
- Comitê Estadual Pela Memória, Verdade e Justiça de Mato Grosso Sul
- Comitê Estadual pela Memória, Verdade e Justiça do Rio Grande do Norte
- Comitê Goiano da Verdade, Memória e Justiça
- Comitê Maranhense da Verdade
- Comitê Memória, Verdade e Justiça de Parnaíba/PI
- Comitê Memória, Verdade e Justiça de Pernambuco
- Comitê Paraense em Defesa da Comissão da Verdade
- Comitê Paulista pela Memória, Verdade e Justiça
- Comitê pela Verdade Memória e Justiça do Distrito Federal
- Comitê pela Verdade, Memória e Justiça de Campinas
- Comitê pela Verdade, Memória e Justiça de Pelotas e Região
- Comitê pela Verdade, Memória e Justiça do Piauí
- Comitê pelo Direito à Memória, à Verdade e à Justiça do Ceará
- Comitê Santamariense de Direito à Memória e à Verdade – Santa Maria/RS
- Fórum Direito à Memória e à Verdade do Estado do Espírito Santo
- Grupo Tortura Nunca Mais – PE – Núcleo de Memória
- Grupo Tortura Nunca Mais – SP
- Núcleo de Preservação da Memória Política
I. DAS SUGESTÕES
1. Concentrar suas atividades na apuração e esclarecimento
dos graves atentados aos Direitos Humanos praticados por agentes do Estado no
período de 1964-1985, que corresponde ao período da Ditadura Civil-Militar, no
sentido estrito.
1.1. Esclarecer também os casos de graves atentados aos
direitos humanos ocorridos no período pré-golpe militar de 1964 (1961-1964), a
exemplo do assassinato e desaparecimento, em 1962, de Pedro Fazendeiro e Nego
Fuba, das Ligas Camponesas de Sapé (PB), considerados os dois primeiros
desaparecidos políticos, e no período do governo de transição civil
(1985-1988), como determina a Lei 9.140/1995;
1.2. Debruçar-se sobre o Golpe Civil-Militar em si, suas
circunstâncias e precedentes, buscando evidenciar a colaboração do setor civil
da sociedade brasileira na violação sistemática de Direitos Humanos, ocorrida
no período;
1.3. Considerar os casos de graves violações dos direitos
humanos praticados por agentes privados em conluio com agentes do Estado,
caracterizados como repressão politica e social.
1.4. Desenvolver linha de pesquisa específica sobre a
legislação do regime ditatorial, observando quais normas continuam vigentes, a
despeito de sua inadequação com os princípios democráticos, para que, com o
relatório final, sejam submetidas ao Congresso Nacional para revogação (Ex:
legislação que implantou eleições indiretas nas Universidades para escolha de
reitor);
1.5. Investigar as relações internacionais de repressão,
especialmente com Bolívia, Paraguai, Argentina e Uruguai, associadas a mortes e
perseguições no exterior (Exemplo, caso Frei Tito, Maria Auxiliadora Lara
Barcelos, etc.);
2. Priorizar os casos dos mortos e desaparecidos políticos
decorrentes da repressão policial-militar do período 1964-1985.
2.1. Sobre cada caso produzir relatório específico nos
termos do art. 3º, incisos I, II, III e IV da Lei nº 12.528 de 2011.
2.2. Fazer um trabalho prévio sobre cada um dos casos de
mortos e desaparecidos políticos, sistematizando:
a) Informações reunidas pela Comissão Especial sobre Mortos
e Desaparecidos Políticos e pela Comissão de Anistia;
b) Testemunhos, documentos, publicações produzidos
individualmente e coletivamente por Familiares de Mortos e Desaparecidos
Políticos;
c) Em relação aos casos dos mortos políticos, mandar fazer
análises técnicas dos laudos de necropsia, das fotos dos cadáveres,
elaborando-se laudos periciais comparativos;
d) Os documentos oficiais já conhecidos;
e) Os depoimentos já registrados;
f) Os nomes de agentes do Estado envolvidos;
g) As instituições do Estado envolvidas;
h) As pessoas e instituições privadas envolvidas;
i) Os locais de prisão, tortura e/ou desaparecimento (neste
ponto, destaca-se a necessidade de se realizar um mapeamento dos variados
locais utilizados para prisões, como navios, estádios, casa particulares,
etc.);
j) Testemunhos já prestados por então presos políticos
perante Tribunais Militares, bem como documentos individuais e coletivos de
Denúncias de Torturas e Assassinatos;
k) Depoimentos, testemunhos e documentos já acumulados por
Universidades Públicas e Privadas; por Sindicatos, Centrais Sindicais,
Movimentos Populares e outras entidades representativas como a Ordem dos
Advogados do Brasil;
l) Depoimentos, documentos e testemunhos acumulados por
entidades como Comitês/Fóruns/Coletivos; Grupos Tortura Nunca Mais; Centros de
Direitos Humanos e Associações de Anistiados;
m) Documentos dos Arquivos privados (neste ponto, destaca-se
a necessidade de requisitar documentos em poder de torturadores denunciados
e/ou de seus familiares, em caso de falecimento. Exemplo: Capitão Fleury);
n) Documentos dos Arquivos Públicos (neste ponto, destaca-se
a necessidade de exigir a abertura dos documentos das Forças Armadas);
o) Realizar cruzamentos de informações obtidas com
documentos da repressão, depoimentos, livros, objetivando um resultado idôneo e
incontestável;
2.3. Convocar agentes do Estado envolvidos direta e
indiretamente nos casos de sequestros, mortes sob tortura, execuções
extrajudiciais, desaparecimentos forçados, ocultação de cadáver, obstrução da
Justiça, inclusive agentes do Estado do aparelho Judicial Militar; e agentes privados
a serviço do Estado citados;
2.4. Promover busca ativa dos restos mortais dos
desaparecidos políticos e relatar o estado atual das buscas;
2.5. Promover busca ativa de documentos nos arquivos das
Forças Armadas, especialmente os Arquivos do DOI-CODI, da Operação Condor e das
campanhas das Forças Armadas contra a Guerrilha do Araguaia; dar acesso a tais
arquivos aos sobreviventes e familiares de mortos e desaparecidos durante a
ditadura;
2.6. Ouvir todos os familiares de mortos e desaparecidos políticos
que queiram prestar depoimento à CNV;
2.7. Promover audiências públicas sobre os casos de mortos e
desaparecidos políticos, de forma individual ou coletiva, quando historicamente
adequado;
2.8. Fixação de lista formal dos responsáveis por cada um
dos crimes na condição de mandantes, executores, facilitadores, omissos,
mandantes, cúmplices e acobertadores, em todos os níveis da cadeia de mando
e/ou hierárquica, seja militar, policial, civil, autárquica, cartorial,
médico-legal, prisional, legislativa ou resultado da articulação entre elas. (O
mesmo serve para o item 3 – crimes de tortura);
2.9 Responsabilizar as organizações especiais de repressão
da ditadura (OBAN, DOI-CODIs, CIEX. CENIMAR, etc.) e os grupos a ela ligados
por crimes contra a Humanidade;
2.10 Afastar dos trabalhos da Comissão Nacional da Verdade,
qualquer resquício da “teoria dos dois demônios”. As investigações da Comissão
deverão objetivar a ação de agentes do Estado, rede de colaboração e apoio,
envolvidos na prática sistemática de violação de Direitos Humanos. Os crimes
que a CNV deve investigar são os crimes de Estado, refutando-se assim qualquer
possibilidade de investigar ações da resistência à Ditadura Civil-Militar;
2.11 Tendo em vista o volume de trabalho e, em decorrência,
o grau de dedicação que se espera dos Comissionados, é importante que desde o
início a necessidade de atuar com dedicação exclusiva se faça
presente, não apenas para os funcionários públicos, mas a todos os membros da
Comissão. Acreditamos que a participação dos membros, deva ser em tempo
integral, com prejuízo das suas funções normais, especialmente quando se trata
de agente público com mais de um vínculo, ou profissional oriundo da iniciativa
privada. Tudo isso, será capaz de amenizar o reduzido número de recursos
humanos que compõem a Comissão;
3. Sobre os casos de torturas infligidas aos opositores
políticos
3.1. Reunir todas as denúncias de tortura já disponíveis,
produzidas na época dos fatos ou posteriormente, como:
a) Depoimentos em tribunais militares;
b) Documentos individuais e coletivos de denúncia de tortura
enviados a autoridades nacionais e internacionais (Centro de Defesa de Direitos
Humanos; Ordem dos Advogados do Brasil; Anistia Internacional; Comitê
Internacional das Igrejas; e outros);
c) Depoimentos a centros de Memória de Universidades e
outras entidades públicas e privadas de pesquisa;
d) Casos que foram objeto de Inquéritos Policiais Militares;
Inquéritos Policiais (Civis); Comissões Parlamentares de Inquérito; etc.
e) Publicações existentes: livros, artigos, dissertações,
teses, etc.
3.2. Ouvir os sobreviventes, opositores políticos, que foram
aprisionados sem mandado judicial ou com mandado judicial e que sofreram
torturas por agentes do Estado e ou agentes privados em conluio com agentes do
Estado;
3.3. Ouvir as pessoas que foram presas e foram submetidas a
torturas;
3.4. Convocar para depor agentes do Estado citados como
torturadores, integrantes das equipes de análise dos setores de inteligência do
Exército, Marinha e Aeronáutica e/ou comandantes de centros de tortura, como
OBAN; DOI-CODI; Centros de Tortura de Polícias Civis e Militares; Centros
clandestinos de Tortura e Casas da Morte; Forças Armadas; Bombeiros; P2
(Inteligência); e Polícia Federal.
3.5. Convocar para depor agentes do Estado do aparelho
Judicial Militar e compelir a Polícia Federal – bem como as Forças Armadas -
para abertura de seus arquivos.
3.6. Sistematizar o conjunto dos casos e sempre que possível
descrever casos individuais ou coletivos com maior suporte testemunhal ou
documental.
3.7. Aprofundar pesquisas sobre a repressão em outras
regiões do Brasil, fora dos grandes centros e poucos conhecidas;
3.8. Desenvolver uma linha de investigação e esclarecimento
para as graves violações de direitos humanos cometidas contra jornalistas e
trabalhadores da educação, entre outros;
4. Constituir na Comissão Nacional da Verdade um mecanismo
ágil para receber todas as formas de denúncias e documentação sobre graves
violações de direitos humanos apresentados por cidadãos e instituições
privadas, inclusive depoimentos, como manda o inciso I do Art. 4º; e o
parágrafo 6º do Art. 4º da Lei 12.5128/2011.
4.1. Processar os documentos, depoimentos e documentos
aportados, segundo as linhas temáticas de trabalho da CNV;
4.2. Delegar a entidades credenciadas pela CNV o recebimento
de tais documentos e denúncias;
4.3. Estruturar mecanismo de ação IMEDIATA diante do
recebimento de denúncias que venham a ser apresentadas, com intuito de evitar
desaparecimento das informações e assegurar a proteção dos arquivos, sempre
dentro da lógica: OUVIR – RELATAR – AGIR;
4.4. Possuir grupo/subcomissão específica para trabalhar com
arquivo, com pessoal técnico especializado na área.
5. Esclarecer as graves violações de direitos humanos
cometidas contra camponeses, trabalhadores rurais, povos indígenas,
garimpeiros, comunidades tradicionais, por agentes do Estado e por agentes
privados a serviço, ou apoiados por agentes do Estado, bem como apreciar outras
sugestões de linhas de pesquisa específicas.
5.1. Desenvolver uma linha de investigação e esclarecimento
para as graves violações de direitos humanos cometidas contra os camponeses e
trabalhadores rurais, senso lato, incluindo os crimes praticados por polícias
privadas paraestatais e agentes privados em conluio com poderes do Estado;
a) Promover parcerias com entidades representativas do
campesinato, tanto sindicais, como a CONTAG, FETRAF, CUT, CTB e outras centrais
sindicais; com movimentos populares como o MST, o MLST e outros;
b) Consultar entidades e especialistas sobre Lutas
Camponesas, Memória Camponesa e Pesquisa sobre Repressão aos movimentos
camponeses, como a Comissão Pastoral da Terra (CPT), a rede acadêmica de
pesquisa sobre a Memória Camponesa e outros;
c) Coletar depoimentos de sobreviventes dos massacres,
chacinas e atos repressivos aos camponeses;
d) Consultar os documentos de casos que foram objeto de
Inquéritos Policiais e Processos Judiciais;
e) Investigar e analisar a relação entre o aparato repressor
da época da ditadura e a atividade policial e de milícias de latifundiários
atualmente existentes;
f) Produzir um relatório específico sobre os graves
atentados aos direitos humanos contra camponeses.
5.2. Desenvolver uma linha de pesquisa especifica e
esclarecimento sobre graves violações de direitos humanos dos povos indígenas e
comunidades tradicionais, incluindo assassinatos de lideranças, de comunidades,
deslocamentos forçados e grilagem de suas terras, com consequências para sua
sobrevivência física e cultural:
a) Levantar todos os dados existentes sobre graves violações
de direitos humanos dos povos indígenas em publicações, denúncias, e relatórios
oficiais;
b) Ouvir entidades e pesquisadores da causa indígena, como o
Conselho Indigenista Missionário (CIMI), a Comissão Pastoral da Terra (CPT), a
Operação Amazônia Nativa (OPAN); e outros;
c) Ouvir representações de entidades e lideranças indígenas
e comunidades tradicionais, como quilombolas e outros;
d) Produzir um relatório específico sobre as graves
violações aos direitos humanos dos povos indígenas e comunidades tradicionais;
e) Massacres e casos que devem ser investigados: Massacre de
Ipatinga (1963, em MG), Massacre dos Suruís nos anos 1970, Massacre do Paralelo
11 (1963), desaparecimento de mais de 2.000 índios Waimiri-Atroari em 1972,
investigar a existência de campos de concentração de indígenas em fazenda do
Exército em Minas Gerais (Fazenda Guarani), extermínio de duas tribos Pataxós
na Bahia, entre outros.
f) Investigar os métodos de extermínio utilizados contra
populações indígenas, a exemplo da disseminação de varíola em comunidades;
5.3. Desenvolver uma linha de pesquisa específica para
esclarecimento das perseguições e repressão aos trabalhadores, com a
identificação de trabalhadores perseguidos, assassinados, desaparecidos e/ou
vítima de tortura e que não constam nas listas oficias já existentes;
5.4. Desenvolver uma linha específica para investigar a
colaboração entre diversos países na organização da repressão. Neste aspecto,
merecem atenção as regiões fronteiriças e casos ali ocorridos, a exemplo do
“Navio Prisão”, em Corumbá-MS, fronteira com a Bolívia. No mesmo sentido,
especificamente à Operação Condor, requer seja apurada a colaboração da Bolívia
na perseguição de acreanos, participação até hoje ignorada e não investigada a
fundo, além da participação dos países comumente apontados como integrantes
dessa Operação;
5.5. Desenvolver linha de pesquisa específica sobre a
legislação do regime ditatorial, observando quais normas continuam vigentes, a
despeito de sua inadequação com os princípios democráticos. Propor a sua
revogação;
5.6. Investigar detidamente as estruturas do aparato
repressor, observando suas especificidades em cada região, e identificar locais
onde estas estruturas ainda existem parcial ou integralmente. Merece destaque,
nesse sentido, a estrutura da ABIN no Estado do Pará, que ainda conta com
agentes que trabalharam na repressão (a exemplo de Magno José Borges e Armando
Souza Dias), ou ainda o caso de integrantes da repressão e que continuam na
ativa (é o caso do chefe de Operações da ABIN no Distrito Federal e que foi um
dos agentes que trabalhou na Operação Sucuri no Araguaia). Recomendar em seu relatório final o afastamento desses
agentes como medida de garantia de não-repetição das graves violações de
direitos humanos perpetradas;
5.7. Investigar a repressão aos militares que se insurgiram
contra o Golpe e o regime ditatorial, bem como sobre os chamados “militares
melancias” – termo usado para caracterizar aos que eram verde por fora, farda
militar, porém, vermelhos, ideologicamente por dentro;
6. Estabelecer uma linha de pesquisa e esclarecimento das
violações de direitos civis
6.1. Averiguar, esclarecer e relatar os casos de deposição
de governos eleitos, fechamento do Congresso Nacional e outras casas
legislativas e cassação de mandatos eletivos;
6.2. Averiguar, esclarecer e relatar os casos de intervenção
policial, militar e administrativa, fechamento, destruição de sedes,
perseguição aos filiados, de entidades representativas dos trabalhadores, como
Sindicatos, Ligas Camponesas e outras organizações culturais dos trabalhadores
(violações à liberdade de associação, por exemplo);
6.3. Averiguar, esclarecer e relatar os casos de intervenção
policial, militar e administrativa em Universidades e instituições de pesquisa
públicas e privadas por motivações políticas e ideológicas por parte da
ditadura militar; bem como a cassação de autoridades universitárias, demissão
de professores e controle policial da vida acadêmica;
6.4. Averiguar, esclarecer e relatar a atuação paramilitar
do CCC, MAC e os casos de repressão à resistência dos movimentos estudantis,
como: intervenção policial, militar e administrativa em entidades
representativas dos estudantes, como Grêmios Estudantes Secundaristas – tais
como UESES (União dos Estudantes Secundaristas do ES), AMES (Associação
Metropolitana dos Estudantes Secundários do RJ) (ES) – e a União Brasileira dos
Estudantes Secundaristas (UBES); Diretórios e Centros Acadêmicos
universitários, Uniões Municipais e Estaduais de Estudantes Universitários e
União Nacional dos Estudantes (UNE);
6.5. Averiguar e esclarecer os casos de intervenção policial
e militar, as atividades de censura e perseguição aos meios de comunicação, bem
como perseguição aos profissionais da imprensa – tais como jornal “Folha
Capixaba”, no Espírito Santo, e o jornal “Novos Rumos”, no Rio de Janeiro.
7. Investigar, esclarecer e dar publicidade no Relatório
Final sobre o envolvimento de alguns setores empresariais com o financiamento e
apoio ao aparato de repressão policial-militar, oficial e clandestino; em
alguns casos, especialmente no campo, identificar pessoas e empresas que
organizaram e mantiveram polícias privadas envolvidas em repressão às
lideranças camponesas e povos indígenas.
8. Assegurar assistência psicológica e médica aos
ex-perseguidos e ex-presos políticos, familiares de mortos e desaparecidos
políticos que se disponham a prestar esclarecimentos e depoimentos perante a
CNV; bem como assegurar mecanismos para garantir sua segurança física, se
ameaçados.
8.1. Que o recebimento de testemunhos pela CNV seja público,
mas com o devido cuidado e proteção dos declarantes, para evitar novos traumas;
8.2. Que a oitiva das declarações se preocupe não apenas com
a narrativa dos fatos, mas também com o contexto sociológico e o aspecto
terapêutico;
8.3. Presença de representante da CEMDP na oitiva de
testemunhos como repositório da memória histórica, bem como de apoio
psicológico;
8.4. Que seja instituídos sistemas de apoio e cuidados
específicos em relação às testemunhas que passaram por tortura (necessidade de
suporte de acompanhamento psicossocial para evitar a retraumatização);
8.5. Ouvir os sobreviventes, que constituem “memória viva”
desse período;
8.6. Que além dos assessores da CNV, a Comissão incorpore
aos seus trabalhos integrantes da CEMDP, os quais possuem grande conhecimento
sobre os fatos, acumulados ao longo de mais de 30 anos de trabalho na área;
8.7. Que a responsabilidade pelas despesas financeiras,
ensejadas pela oitiva de quaisquer pessoas, testemunhas, vítimas e outras
pessoas de interesse para o trabalho da Comissão, seja atribuída à Comissão
Nacional da Verdade. Nos parece claro que em um país de proporções continentais, a
distância e a falta de recursos pode ser um fator impeditivo à colheita de
depoimentos, prejudicando o alcance das finalidades da Comissão;
9. Promover audiências públicas dirigidas para assuntos
específicos, como os casos de mortos e desaparecidos políticos; tortura;
violações dos direitos dos povos indígenas, camponeses e comunidades
tradicionais.
9.1. Realizar audiências em todos os Estados da Federação;
9.2. Realizar audiências públicas com os Comitês/Coletivos/Fóruns
da Sociedade Civil – c de todos os estados – voltados para a defesa da Memória,
Verdade e Justiça brasileira, semestralmente/quadrimestralmente, durante o
período de funcionamento da Comissão Nacional da Verdade, a fim de possibilizar
o acompanhamento parcial dos resultados do andamento dos trabalhos
desenvolvidos, bem como para se apresentar relatórios parciais da CNV à
sociedade civil;
10. Dar transparência e publicidade dos atos e atividades da
CNV.
10.1. Desde o início das atividades da CNV, que seja dada
publicidade a:
a) Sua regulamentação interna;
b) O montante financeiro destinado para enfrentar o longo
período de análise das violações de Direitos Humanos, definido para os
trabalhos da Comissão, como bem apregoa a Lei de Acesso à Informações.
Ressaltando que a dependência econômica certamente é uma das formas mais claras
de permitir a limitação aos trabalhos da Comissão Nacional da Verdade, podendo
mesmo a vir a ser estabelecida a subserviência do órgão investigador;
c) Plano de trabalho da Comissão e agenda dos membros da
CNV, incluindo também atividades semanais/mensais. Isso facilita o
acompanhamento das atividades, bem como a participação das pessoas, movimentos
sociais e entidades;
d) Informações sobre sua composição, dados, perfil,
currículo e atribuições de cada componente e inclusive assessores;
e) Informações divulgadas com antecedência sobre as
audiências públicas a serem realizadas;
10.2. Que seja colocado um link de acesso à página oficial
da CNV em todos os sites oficiais do Estado brasileiro.
10.3. Que exista uma equipe própria da área de comunicação
tanto para fazer o contato com a mídia como para facilitar o contato com a
população e fazer a divulgação de suas atividades.
10.4. Na página da CNV, garantir link para acesso online das
sessões da Comissão que forem públicas e de todas as audiências públicas e
oitivas de declarações.
10.5. Garantir o armazenamento de informações no site, de
modo que as sessões da CNV e as audiências públicas, além de vistas em tempo real,
possam ser vistas posteriormente via site; franquear, na página da CNV, acesso
a outras páginas já existentes e que contam com acervo de documentos;
10.6. Assegurar espaço de divulgação das atividades na mídia
oficial, por exemplo: Voz do Brasil, TV Justiça, TV Senado, TV Câmara, TVs de
Assembleias Legislativas, TV Cultura, TVs Educativas e outras mídias oficiais,
tais como os rádios e jornais impressos e os diários oficiais.
11. Estabelecer relações adequadas e positivas com as
organizações da Sociedade Civil, visando atingir os objetivos definidos pela
Lei 12.528/2011
11.1. Ouvir os Comitês, Fóruns, Coletivos e demais
organizações da sociedade civil que se dedicam à busca dos direitos da Justiça
de Transição, especialmente da Memória, da Verdade e da Justiça, a partir de
reuniões promovidas pela CNV;
11.2. Estabelecer parâmetros para atuação conjunta com essas
e outras entidades da sociedade civil; seja em pesquisas, seja em promoção de
audiências públicas, etc.;
11.3. Abrir canais institucionais adequados da CNV para se
relacionar com as organizações da sociedade civil, especialmente os
Comitês/Fóruns/Coletivos/Comissões que lutam pelo Direito á Memória, à Verdade
e à Justiça;
11.5. Garantir instrumentos de contato permanente com
entidades da Sociedade Civil organizadas em torno do tema da Justiça de
Transição em todo o país;
11.6. Estabelecer parcerias com entidades representativas da
Sociedade Civil que lutam por Memória, Verdade e Justiça; também com as
Comissões Parlamentares, Comissões Estaduais e Municipais e ainda comissões de
entidades públicas, como Universidades, seja sob a forma de convênios, Termos
de Parceria ou de Cooperação, etc. – incluindo-se a possibilidade de subsídios
financeiros a entidades, quando aplicável.
11.7. Firmar convênios e parcerias com organizações de
juventude, sobretudo, na área de comunicação e informática, com o objetivo de
aproveitar o conhecimento e a criatividade dessas entidades;
11.8. Tendo em vista a necessidade da reparação coletiva aos
danos causados à cultura imaterial do País, seja recomendado formalmente, ao
Estado Brasileiro, a organização, em conjunto com entidades da sociedade civil,
de calendário de atividades e datas emblemáticas (ex: 50 anos das Ligas
camponesas; dia 31 de março ou 1º de abril ou 13 de dezembro, como Dia Nacional
da Memória de Violação de Direitos Humanos e diversas outras);
11.9. A articulação com as entidades estaduais constitui
forma de assegurar uma atuação descentralizada da CNV e, assim, mais eficaz,
tendo em vista as dimensões continentais do nosso país.
12. Contratar ou firmar convênios com instituições e equipes
técnicas de antropólogos, arqueólogos forenses, peritos e criminalistas, bem
como profissionais de História e de Arquivologia, como apoio técnico aos
trabalhos da CNV.
13. Sobre o RELATÓRIO FINAL da Comissão Nacional da Verdade
apresentamos considerações no sentido de que seja amplo, profundo e consistente.
Que o Relatório Final:
13.1. Faça a contextualização histórica dos graves violações
de direitos humanos, a começar com os antecedentes do golpe militar de 1º de
abril de 1964, que quebrou a ordem constitucional e depôs o presidente eleito
democraticamente pelo voto popular;
13.2. Caracterize o regime vigente de 1964-1985 como uma
ditadura militar que se manteve no poder político pelo poder das armas e sem
legitimação do voto popular e o período de 1969-76 como Terrorismo de Estado;
13.3. Caracterize o regime vigente de 1985 a 1988 como de
transição civil, até a promulgação da Constituição Federal de 1988 que
reinstituiu o Estado de Direito Democrático;
13.4. Contribua com argumentos capazes de atacar as ideias
de justiça dominantes atualmente presentes nos julgamentos dos crimes da
Ditadura Civil-Militar. O atual conceito de justiça que ampara a ideia de
julgamento, como ato de distribuição de justiça, está constituído sobre sólidas
bases, como a prescrição das violações de Direitos Humanos e a validade da Lei
de Anistia;
13.5. Sintetize todas as agressões aos direitos civis, como
cassação de mandatos, fechamento e coerção do Congresso Nacional; perseguição a
lideranças sindicais, estudantis e suas entidades representativas e toda sorte
de danos aos direitos civis, políticos, sociais, culturais e econômicos do povo
brasileiro, com destaque aos graves atentados aos direitos humanos.
13.6. Seja remetido formalmente ao Ministério Público e aos
Poderes da República: Executivo, Legislativo e Judiciário;
13.7. Seja divulgado em livro e pelas mais variadas formas
de mídias, inclusive da rede mundial de computadores;
13.8. Seja dada ao Relatório Final AMPLA divulgação, para
que este não seja um arquivo morto, mas sim um Relatório Vivo, constituindo uma plataforma para que a sociedade possa tomar as medidas no
sentido, inclusive, da responsabilização daqueles que cometeram os crimes de
lesa-humanidade.
14. OUTRAS SUGESTÕES TRANSVERSAIS IMPORTANTES
14.1 Que seja objeto de apuração e investigação a conduta do
Poder Judiciário, sua omissão ou conivência com violações dos direitos
fundamentais sistematicamente praticadas pela Ditadura Militar. (os relatos de
tortura, por exemplo, devem apontar autoridades do Judiciário que tomaram
conhecimento dessas violações e as ignoraram; ou que ignoraram evidências
flagrantes de assassinatos, e/ou aceitando versões forjadas de suicídio, ou
"morte em fuga" etc.);
14.2 Que em suas atividades de pesquisa e investigação, a
CNV siga eixos temáticos, dentre os quais: mortos e desaparecidos; torturas e
prisões; financiamento privado à ditadura; estrutura da repressão e formas de
monitoramento; diferentes métodos de repressão; locais e centros de repressão;
terrorismo de Estado (bombas, atentados...); colaboração internacional e Cone
Sul (Operação Condor); imprensa e colaboração; arquivos; repressão no setor
público; repressão aos operários na iniciativa privada; sistema de justiça:
participação de juízes e promotores; outros profissionais colaboradores
(médicos, por exemplo); repressão no meio militar; repressão no campo; ditadura
e comunidades indígenas; corrupção no ambiente político e desvios de recursos
públicos;
14.3 Que durante todo o período de funcionamento da CNV, sejam
garantidos os canais de comunicação e mecanismos de participação da sociedade,
nos trabalhos de produção de informação e análises a serem empreendidas. Para
tanto, demanda-se a transparência e publicidade de todas as atividades
planejadas e realizadas da CNV, com a devida abertura para o controle social e
monitoramento por parte da sociedade civil. Igualmente, demandam-se mecanismos
participativos de consultas e audiências públicas, para a
efetiva condução democrática deste processo político.
14.4 Que as atividades e resultados da CNV sejam
sistematizados em relatórios parciais periódicos a serem amplamente divulgados
e publicizados; e que o relatório final da CNV seja extremamente detalhado,
contendo não apenas informações de esferas individuais de vítimas, mas também o
contexto social, político, econômico e cultural do projeto de sociedade que se
implantou com a ditadura, assim como a relação nominal dos responsáveis,
autores, executores e mandantes das violações atribuídas ao regime ditatorial.
Considerações finais
Estamos convencidos que a verdade sobre este período
histórico interessa não apenas os atingidos, seus familiares e amigos, mas diz
respeito a toda a sociedade brasileira.
O desconhecimento dos fatos é para toda a sociedade civil extremamente
danoso e impeditivo de uma trajetória democrática plena, segundo a Constituição
Federal de 1988.
Entendemos a CNV como etapa importante para conformar o
processo histórico e efetivação da Justiça de Transição. Estamos convictos de
que a iniciativa de sua criação não supre o dever do Estado brasileiro de levar
adiante os julgamentos e a responsabilização criminal dos agentes, públicos e
privados, por suas ações, cumplicidades ou omissões.
Avaliamos como necessário que a CNV, sem prejuízo de investigações
próprias, se valha dos acervos e experiências da Comissão da Anistia e da
Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos como recomenda a Lei
nº 12.528/2011 e também das recomendações do III PNDH (Decreto nº 7.037/2009) e
dos acervos e experiências de entidades da sociedade civil, de ex-perseguidos e
presos políticos e dos familiares de mortos e desaparecidos políticos.
Para que não se esqueça. Para que nunca mais aconteça!
Lembrar para não repetir!
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