Conversando Memórias passadas e presentes: discutindo verdade e justiça.
A América Latina, na segunda metade do século XX, vivenciou uma série de golpes de Estado, nos quais governos autoritários e violentos implementaram seu modelo político-econômico de sociedade e praticaram perseguições, prisões arbitrárias, torturas, banimentos (e exílios), execuções sumárias e desaparecimentos forçados como forma de implantar seu projeto e de combater/eliminar os movimentos de resistência.
Em nosso país as mais variadas instituições foram profundamente atingidas por esta nova ordem de gestão do Estado, que se impôs a ferro e fogo com apoio da mídia e de outros setores privados para golpear a efervescência política que emergia dos movimentos por reformas sociais de base. Esse projeto de sociedade, que foi desenvolvido ao longo de mais de vinte anos, também foi marcado por metas desenvolvimentistas que desvalorizavam o meio ambiente e sacrificaram a vida de trabalhadores da cidade e do campo e de povos indígenas.
Foram anos de forte repressão política, de implantação de mecanismos eficazes de dominação, que repercutiram no conjunto da vida social, atingindo as mais variadas formas de vida em sociedade: os modos de agir, de pensar, de perceber o mundo. Estabeleceu-se, assim, no Brasil e na América Latina, um projeto
excludente, injusto e autoritário.
No caso brasileiro, as violações de direitos humanos que marcaram a ditadura civil-militar (de 1964 a 1988) compuseram um trágico quadro: quase 500 mortos e desaparecidos políticos; centenas de camponeses (mais de 400) assassinados, que ainda não são considerados vitimas oficiais do regime; inúmeros militantes assassinados e enterrados como indigentes com nome falso; 50.000 pessoas detidas apenas nos primeiros meses da ditadura; milhares de torturados e de trabalhadores demitidos/cassados (entre esses 6.600 militares punidos); centenas de familiares e amigos de militantes presos; centenas de estudantes expulsos da universidade; centenas de sindicatos fechados; populações indígenas dizimadas (waimiri-atroari, entre outras).E toda a violência foi acompanhada por uma estratégia oficial de silenciamento em torno de todas as violações durante décadas.
Naquele período (décadas de 70 e 80 do século passado), foi possível, por exemplo, um delegado – conhecido como integrante ativo do Esquadrão da Morte - estar vinculado ao tráfico de armas, fornece-las a um usineiro – por acaso vice-governador do Estado do Rio de Janeiro – para reprimir à força movimentos camponeses pela terra na sua região. Ao mesmo tempo, este mesmo delegado foi „cooptado‟ por oficiais do Exército Brasileiro para executar opositores políticos, incinerando-os (depois de torturados e executados) nos fornos da referida Usina, de propriedade do vice-governador. Este foi um caso concreto de articulação entre o poder do Estado exercido por um vice-governador, um delegado matador confesso, oficiais do Exército que combatiam insurgentes em prisões clandestinas acobertadas pelo Estado e de traficantes de armas.
E quando é que a sociedade ficou sabendo dessa “história dos porões”? Há poucos meses (2012), quatro décadas depois! Tudo isso ainda repercute, hoje, numa sociedade violenta e criminalizadora dos movimentos sociais. É possível que exista uma relação direta entre o que ocorreu naquele período e a permanência de praticas violentas contra os atuais “inimigos internos”? A violência policial e militar de hoje não seria, em parte, produto do aparato militar construído nesse passado recente?
Da mesma forma, a desigualdade estrutural e projetos e metas político-econômicas ainda submetem a vida da população empobrecida e o meio ambiente a interesses do grande capital. Sendo assim, estas também são questões do presente: a violência de Estado se mantém como uma prática institucionalizada e atinge amplos segmentos da população brasileira, com a perpetuação de violações dos mesmos direitos. São estas práticas admissíveis em uma sociedade democrática?
Um instrumento definido internacionalmente, conhecido como Justiça de Transição, aponta medidas de reordenação social política e jurídica para fazer frente aos efeitos daquele nefasto período, com o objetivo de romper com os modos que predominaram ao longo dos períodos das ditaduras. Dentre elas a necessidade da construção de MEMÓRIA sobre o período, de VERDADE para o esclarecimento público do que ocorreu, e de JUSTIÇA para identificação de responsabilidades nos crimes contra humanidade.
Temos um passado que não passou. Um passado que não rompeu com a lógica da impunidade instalada e reafirmada recentemente pela decisão do STF sobre a Lei de Anistia de 1979, que serve até hoje para proteger torturadores. Um passado que tem no presente a chaga da multiplicação de ações violentas por parte de agentes de Estado. Como fazer frente a esta lógica?
Para que se avance no processo de democratização, é responsabilidade do Estado brasileiro esclarecer os crimes contra a humanidade e fazer justiça, para que a sociedade possa ter a expectativa de um outro futuro. A Comissão Nacional da Verdade, como uma etapa importante da luta contra a violência de Estado, poderá vir a ser um instrumento relevante para estes esclarecimentos, desde que possa acolher demandas de participação da sociedade civil.
QUESTÕES A SEREM LEVANTADAS:
A – Sobre a cultura da violência de Estado:
1) Se aquelas violações de Estado tivessem sido esclarecidas;
2) Se seus autores tivessem sido identificados, investigados e responsabilizados;
3) Se as vítimas e seus familiares tivessem sido integralmente reparados;
4) Se políticas garantidoras da não-repetição dessas violações tivessem sido adotadas (exemplos: construção de Museus e Memoriais sobre as lutas de resistência)... teríamos hoje – ainda - uma sociedade marcada pela violência de Estado?
B – O que nossos vizinhos latinoamericanos estão fazendo para lidar com essas questões?
C – O que tiveram em comum as construções da Rodovia Transamazônica, da Rodovia Manaus-Boa Vista e da
Ponte Rio-Niterói? Ou qual a relação de metas de produção petrolífera daquele período, por exemplo, e os
grandes projetos de produção de energia e gás de hoje?
D – O que ocorre hoje na Usina de Cambahyba (Campos de Goytacazes), Região Norte do Estado do RJ? O que permanece daquele tempo?
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Movimentos e organizações proponentes deste debate:
A – Sobre a cultura da violência de Estado:
1) Se aquelas violações de Estado tivessem sido esclarecidas;
2) Se seus autores tivessem sido identificados, investigados e responsabilizados;
3) Se as vítimas e seus familiares tivessem sido integralmente reparados;
4) Se políticas garantidoras da não-repetição dessas violações tivessem sido adotadas (exemplos: construção de Museus e Memoriais sobre as lutas de resistência)... teríamos hoje – ainda - uma sociedade marcada pela violência de Estado?
B – O que nossos vizinhos latinoamericanos estão fazendo para lidar com essas questões?
C – O que tiveram em comum as construções da Rodovia Transamazônica, da Rodovia Manaus-Boa Vista e da
Ponte Rio-Niterói? Ou qual a relação de metas de produção petrolífera daquele período, por exemplo, e os
grandes projetos de produção de energia e gás de hoje?
D – O que ocorre hoje na Usina de Cambahyba (Campos de Goytacazes), Região Norte do Estado do RJ? O que permanece daquele tempo?
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Movimentos e organizações proponentes deste debate:
Coletivo RJ Memória, Verdade e Justiça
Comitê pela Verdade, Memória e Justiça do Distrito Federal
Comitê Memória, Verdade e Justiça do Ceará
Comitê Paulista pela Memória, Verdade e Justiça
Comitê Santamariense de Direito à Memória e à Verdade (RS)
Comissão de Direitos Humanos e Liberdade de Expressão da ABI
Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RJ)
Associação Nacional dos Aposentados Políticos e Pensionistas
(ANAPAP)Associação dos Amigos do Memorial da Anistia Politica (MG)Casa da América Latina
Centro de Defesa dos Direitos Humanos (CDDH - Petrópolis)
Conselho Regional de Psicologia do Rio de Janeiro (CRP-RJ)
Conselho Regional de Psicologia do Rio Grande do Sul (CRP-RJ)
Equipe Clínico Política (RJ)
Fórum de Reparação e Memória do Rio de Janeiro
Instituto de Estudos da Religião (ISER)
Núcleo de Estudos de Políticas Públicas em Direitos Humanos Suely Souza de Almeida (NEPP- DH UFRJ)Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio de Janeiro
SINPRO - Sindicato dos Professores do Município do RJ e Região
UMNA - Unidade de Mobilização Nacional pela Anistia
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